quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O longo século XX de Geovanni Arrighi - Resenha

___As décadas de 1970 e 1980 foram altamente produtivas para o campo das Relações Internacionais. O contexto de crise norte-americana, vivenciado pelos analistas, auxiliou no desenvolvimento de estudos sobre hegemonia, liderança, ascensão e queda das grandes potências, formação das estruturas de mercado, entre outros. É neste clima que Arrighi delimita as premissas estruturais do sistema mundial capitalista no longo século XX. Algumas perguntas incitam o autor: (1) quais processos levaram a concentração de capital e o surgimento das estruturas que precederam (formam a base) dos ciclos sistêmicos de acumulação? (2) de que maneira as dinâmicas no interior destes ciclos possibilitam o desenvolvimento de novos ciclos? (3) qual a relação entre o Estado e o processo de acumulação e expansão do capital? (4) as estruturas do capitalismo norte-americano constituem o limite máximo do processo de expansão e auto-expansão do capital? (5) estaria a história capitalista prestes a terminar?
___Através dessas indagações (e muitas outras) podemos perceber que a análise de Arrighi se encontra em um plano estrutural, sendo seu interesse principal desvendar como o capitalismo ergueu-se acima das estruturas da economia mundial de mercado preexistente, e com o decorrer do tempo, adquiriu poder suficiente para moldar os mercados e vidas do mundo inteiro. Neste sentido, utiliza-se da noção de ciclo sistêmico capitalista, que deriva da ideia do capitalismo como a camada superior do mundo dos negócios. Ao centrar-se neste plano metodológico, o livro nos passa informações limitadas sobre as outras camadas de negócios, tais como a economia de mercado e a vida material. Porém, o autor ressalta que o verdadeiro lar do capitalismo encontra-se no topo da hierarquia, e é nesta camada superior que estão os grandes predadores capitalistas, os quais determinam as dinâmicas de concentração de capital.
___Arrighi traz para sua análise o padrão marxista do capitalismo histórico como sistema mundial. Neste sentido, o aspecto central de suas exposições é a alternância de períodos de expansão material com fases de renascimento e expansão financeira. Juntos esses dois períodos constituem o ciclo sistêmico de acumulação (CSA). Para Arrighi é possível identificar quatro CSA: o ciclo genovês; o holandês; o britânico; e o norte-americano. Após determinar os períodos de vigência de cada um, o autor elabora uma análise comparativa dos sucessivos ciclos, trazendo para a atualidade elementos explicativos sobre: (1) padrões de recorrência e evolução, que se reproduzem na fase norte-americana de expansão financeira e restruturação sistêmica e; (2) as anomalias da atual fase de expansão financeira, que pode levar a um rompimento com os padrões anteriores e a superação deste ciclo.
___Arrighi nos chama atenção para a transição do poder capitalista disperso para um poder concentrado, sendo o aspecto mais importante a fusão singular do Estado com o capital. Neste sentido, a concorrência entre os Estado pelo capital foi essencial em todas as fases de expansão financeira, em especial na formação dos blocos e organizações governamentais e empresariais que conduzirão a economia capitalista em suas fases de expansão. Sendo que, as mudanças de ciclos ocorrem através de uma verdadeira revolução organizacional nas estratégias e estruturas destes agentes, cada vez mais amplos e complexos.
___Ainda sobre os aspectos metodológicos de sua pesquisa, o autor elenca dois espaços de desenvolvimento do capitalismo: o espaço de lugares; e o espaço de fluxos. Duas genealogias derivam dessa análise, Arrighi estabelece que o capitalismo moderno originou-se no protótipo da principal organização empresarial não territorial de todas as eras, a nação genovesa (espaço de fluxos). É através dessa genealogia que se possibilita o desenvolvimento como uma sucessão de ciclos sistêmicos de acumulação.
___O ponto de partida de Arrighi é a expansão financeira no fim da expansão comercial do século XIII e XIV. Foi no decorres desta última expansão que os agentes do primeiro CSA se formaram e foram delineados os aspectos fundamentais de todas as expansões financeiras posteriores. O traço mais importante desse período tratado acima foi a súbita concorrência intercapitalista, em especial entre Genova e Veneza.
___Sobre a expansão e desenvolvimento dos CSA, o autor explicita que: (1) um novo regime de acumulação se desenvolve dentro do antigo; (2) ocorre um período de consolidação e desenvolvimento que os agentes se beneficiam pela expansão material de toda a economia mundial e; (3) seguido por um segundo período de expansão financeira, onde surgem regimes concorrentes e alternativos. Essa expansão financeira é denominada de crise sinalizadora, e os eventos que levam a superação final do ciclo de crise terminal.
___Sendo assim, o longo século vinte possui três períodos definidos: da crise sinalizadora até a crise terminal do ciclo britânico; da crise terminal do regime britânico até a crise sinalizadora do EUA; e a crise sinalizadora dos EUA até a crise terminal do mesmo. Arrighi nota que o período entre as crises sinalizadoras está cada vez mais curto, além de que, quanto mais poderosos os blocos e estruturas organizacionais de acumulação mais curto é o ciclo vital de um regime.
___Sobre os tipos de concentração de capital, o autor identifica duas formas simultâneas: (1) um dentro das estruturas organizacionais do ciclo de acumulação que está chegando ao fim e; (2) outro no sentido de aprofundar a crise do sistema, fazendo brotar estruturas regionais de acumulação que desestabilizam o antigo regime e antecipam a emergência de um novo. Neste sentido, descrever o longo século XX é contar como o regime dos EUA: emergiu dos limites, contradições e crises do imperialismo de livre comércio do reino unido, em quanto estrutura regional dominante da economia mundial capitalista; reconstituiu a economia mundial em bases que possibilitaram outra rodada de expansão material e; atingiu sua própria maturidade, e quem sabe esteja preparando o terreno para o surgimento de um novo regime dominante.
___No que tange a crise norte-americana, são quatro as medidas governamentais que podem justifica-la: (1) competição pelo capital circulante através da elevação das taxas de juro; (2) desregulamentação para atração do capital, ou seja, liberdade de ação das empresas; (3) endividamento do estado; (4) a dívida associada com a guerra fria, através do programa de defesa estratégica. Juntando esses fatores, é possível observar a perda de credibilidade dos EUA pela guerra do Vietnã, nas palavras de Arrighi, “é na guerra do Vietnã que o governo EUA perde seu aparato de vigilante do mundo livre, além de demonstrar que todo o aparato militar não faz dobrar a vontade de um povo” (ARRIGHI, 1996, p333).
___É possível notar que o objetivo do estudo proposto por Arrighi é um tanto amplo e em parte inovador, uma vez que pretende analisar a dimensão estrutural da formação do sistema mundial capitalista, a qual está acima das estruturas de mercado analisadas por Wallerstain e acima da própria vida material. Para o autor, esta hierarquia não representa uma separação orgânica, é simplesmente um arcabouço metodológico efetuado para análise, ou seja, há uma dialética entre os níveis citados por Arrighi, os quais influenciam um ao outro de maneira dinâmica.
___Ao delimitar o inicio dos ciclos sistêmicos de acumulação nas cidades-Estados italianas, o autor remete sua tese ao momento da concentração do capital como base das estruturas e organizações que viriam a ser os futuros CSA. Também dá importância a formação do Estado moderno como propulsor da concorrência e da expansão material e financeira do capital, além de destacar o papel do Estado hegemônico na regulamentação e “ordem” do sistema mundial capitalista. Para o embasamento empírico o autor utiliza-se da história e dos eventos que nela se sucederam, é desta maneira que suas descrições específicas possibilitam a contextualização dos principais agentes do capitalismo.


REFERÊNCIAS:
ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder, e as origens de nosso tempo. 1996.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Teorias “Dissidentes” nas Relações Internacionais: conteúdo normativo, explicativo e as conexões com outras disciplinas.

____Em uma postagem anterior procurei trabalhar os enfoques epistemológicos das “teorias dissidentes”. Para ir além, proponho agora uma breve reflexão sobre suas: (1) diferentes capacidades explicativas; (2) propostas normativas distintas; (3) conexões singulares com outras teorias/enfoques/disciplinas. Sendo assim, esses tópicos serão explorados a seguir dentro de cada perspectiva teórica.
____A teoria crítica inicia sua trajetória nas relações internacionais na década de 80, tendo como principais expositores Ashley, Cox e Linklater. Essa perspectiva teórica procura estudar as mudanças estruturais do sistema internacionais – formação, manutenção e transformação. Ao estudar as mudanças da ordem mundial, Cox utiliza em sua proposta explicativa o materialismo histórico e alguns elementos do realismo antecedente a Morgenthau. Encontramos em seus trabalhos fortes críticas às “teorias tradicionais”, as quais são rotuladas como problem-solving. O autor nos alerta sobre a ligação entre conhecimento e política, uma vez que não há separação entre o sujeito e o objeto de estudo, “todo conhecimento é feito para alguém e para algum propósito”. Neste caso, o conhecimento gerado pelas teorias problem-solving carregam interesses e convicções que impossibilitam o surgimento de uma ordem social mais justa.
____A teoria crítica não procura apenas explicar ou descrever a sociedade, mas sim transforma-la. Ao colocar em cheque as estruturas do sistema internacional e sua relação com a comunidade política, a teoria crítica encontra nas exposições de Linklater argumentos de caráter cosmopolita que melhor promoverão liberdade, justiça e igualdade. Neste caso, a teoria critica normativa de Linklater não tem como proposito principal a explicação dos fenômenos (causa e efeito), mas sim avaliá-los desde o ponto de vista ético. A proposta da teoria crítica nos faz repensar as fundações normativas da política mundial. Além de incitar o debate sobre um mundo passível de construção, nos abre a possibilidade da “mudança” ser de acordo com os interesses de uma futura comunidade comunicativa universal.
____Maior desconfiança perante os interesses das teorias tradicionais são levantadas pelos acadêmicos pós-modernos. O pós-modernismo é um pensamento oposto ao projeto de modernidade e possui influencia de outras disciplinas como a linguística e a genealogia. Acadêmicos adeptos a este pensamento negam a possibilidade de conhecer o mundo e teorizar sobre ele, e desconfiam dos esforços “tradicionais” em encontrar verdades universais. Com esta postura anticientífica, o pós-modernismo procura nas análises de textos, discursos e narrativas a possibilidade de aproximação com o mundo. Os próprios autores deste pensamento não admitem a probabilidade de produzir conhecimento verdadeiro, não seguem critérios de demarcação ou metodologia rigorosa, e nem primam pela qualidade de suas fontes, o que coloca em cheque suas capacidades em propor explicações substantivas. A proposta normativa do pós-modernismo se concentra na valorização da diferença e no reconhecimento e dos outros tipos de saberes. No entanto, ao aplicarem o método de desconstrução sobre determinado significado, não procuram desenvolver uma agenda normativa clara sobre o futuro, ou de como seria este mundo pós-moderno. Observamos assim, que estes autores desconstroem muito e constroem (procuram construir) pouco.
____Podemos encontrar melhor consistência explicativa e normativa nas teorias de gênero sobre as relações internacionais, sendo que o maior destaque se dá aos trabalhos feministas. O feminismo é um projeto politico que visa eliminar as situações de exploração, opressão e desigualdade que imperam em nossa sociedade patriarcal. Por ser um projeto político, está carregado de elementos normativos, aproximando-se desta maneira de perspectivas liberais, socialistas/marxistas, ou radicais. Neste sentido, os autores procuram em seus argumentos normativos a superação das limitações impostas pelo uso do positivismo. Para deixar claro, o feminismo também apresenta pluralidade em sua concepção epistemológica, partindo de estudos mais empíricos até os que se aproximam das percepções do pós-modernismo. As diferentes perspectivas destacadas procuram desenvolver uma agenda complementar, fortalecendo a proposta explicativa do feminista para as relações internacionais.
____Diferente do feminismo, a sociologia histórica é mais moderada na composição de suas críticas ao positivismo. Por um lado, encontramos a escola de Wallerstein (sistema-mundo) que propõe criticas assertivas sobre o positivismo, por outro lado nos deparamos com a sociologia histórica “neo-weberiana”, muito mais científica e “positiva”. De qualquer maneira, a sociologia histórica analisa de maneira crítica alguns períodos específicos da história, sendo que suas principais contribuições partem dos estudos sobre a formação do Estado-nação e o sistema de Estados em que se organizam as relações internacionais. Além da análise histórica e sociológica, os autores que trabalham sobre esta perspectiva utilizam-se das disciplinas de economia, antropologia, ciência política, entre outras. A proposta explicativa da sociologia histórica não procura renunciar os métodos científicos, pelo contrário, seus estudos estabelecem os mecanismos de causa e efeito que determinam a simbiose entre o Estado-nação e o capitalismo, entre o sistema político e o sistema econômico. Sobre a dimensão normativa, a teoria procura destacar as desigualdades existentes através da hierarquia, na ótica da separação centro-periferia. Os autores que expõem esta abordagem destacam um otimismo perante a possibilidade de mudanças do sistema internacional, porém não procuram estabelecer uma proposta normativa muito menos prever se a suposta mudança é no sentido de maior justiça ou maior desigualdade.
____O estudo das estruturas do sistema internacional também possuem adeptos no construtivismo. Seguindo o mesmo conteúdo interdisciplinar e com influencias da sociologia e da história, o construtivismo é um programa de investigação constituído sobre as carências percebidas nas “teorias tradicionais”. O construtivismo não é uma teoria, e também não apresenta um programa de pesquisa homogêneo, pois seus autores bebem de fontes diferentes, desde abordagens mais racionalistas até as premissas da hermenêutica interpretativa, e por vezes combinando explicação e interpretação. O tema central da problemática construtivista é a mutua constituição das estruturas sociais e dos agentes nas RI. Neste sentido as identidades e os interesses dos atores influenciam o comportamento e o resultado das ações dos demais atores, que não estão condicionadas somente pela estrutura (neorrealismo) ou pelos processos e instituições (neoliberalismo). O construtivismo traz para o debate de RIs o papel das ideias, do pensamento e dos valores, alertando sobre a conscientização humana em questões internacionais. A comunidade epistêmica, traduzida como um grupo de “profissionais habilitados”, seria capaz de propor novas alternativas a realidade social das relações internacionais, num sentido de maior justiça.
____Nota-se, que todas as teorias “dissidentes” possuem claramente o elemento crítico em suas análises, desde abordagens mais radicais (pós-modernismo) aos questionamentos mais moderados (construtivismo). Além da crítica, as teorias/escolas procuram dialogar e importar de outras disciplinas conceitos e métodos que agreguem conhecimento no debate das relações internacionais. Por possuírem temáticas distintas e muitas vezes específicas, a comparação de conteúdo se torna tarefa complicada. No entanto, acredito que alguns pontos importantes, como as ligações com outras disciplinas, os conteúdos explicativos e normativos foram analisados.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

As relações internacionais sobre o olhar das teorias “dissidentes”: questionamentos epistemológicos

_____O campo de estudos das relações internacionais é altamente dinâmico, sendo que o próprio objeto de estudo está em constantemente transformação, e alias, não há consenso entre os acadêmicos nem sobre qual é o objeto de estudo das relações internacionais. Se o consenso não existe sobre o objeto de estudo, é claro que o mesmo não se faz presente na epistemologia e metodologia deste campo interdisciplinar. Neste sentido, a palavra que melhor caracteriza as relações internacionais é a diversidade, tanto em termos de concepção quanto de construção teórica.
_____Com tantas abordagens, escolas e teorias diferentes nas relações internacionais, seria um “crime” contra seus autores tentar classifica-las de maneira rigorosa. Por outro lado, por questões organizacionais e didáticas, se faz necessário certa divisão. Sendo assim, podemos efetuar uma distinção entre: “teorias tradicionais” (hegemônicas) e “teorias dissidentes”. Esses dois “blocos teóricos” não representam homogeneidade, mas sim, alguns elementos teóricos similares. Desta maneira, tomaremos o cuidado de não “calar” os diferentes discursos apresentados entre as teorias que se situam em cada um destes “blocos teóricos”. Feito tal divisão, e informados sobre os riscos da mesma, podemos dizer que as teorias mainstream (Realismo, Liberalismo, e suas vertentes) são do bloco das “tradicionais”, já a teoria crítica, teorias de gênero, sociologia histórica e os pós-modernos fazem parte das “teorias dissidentes”. Algumas perspectivas singulares, como o caso do construtivismo e da Escola inglesa, não se faz possível aplicar tal divisão, já que suas agendas de pesquisa perpassam a divisão anterior.
_____Focamos agora nossa análise sobre as “teorias dissidentes” e suas similaridades. O elemento mais comum entre estas teorias é a negação as “teorias tradicionais”, em especial ao neorrealismo. Esta negação é de suma importância, pois não rejeita somente a metodologia adotada pelas “teorias tradicionais”, mas sim a epistemologia – a maneira de compreender, decifrar, e explicar o mundo. Neste sentido, o elemento comum entre os “dissidentes” se torna a crítica ao racionalismo ocidental (positivismo-empirismo), que pode ser melhor apresentada a seguir: (1°) questiona-se a possibilidade de formular verdades objetivas e empiricamente falseáveis sobre o mundo social; (2°) seria o conhecimento fundamentado em bases reais? – esta dúvida é constante entre os pós-modernistas; (3°) até que ponto a ciência é neutra, se é que a neutralidade existe. Essa crítica ao racionalismo fez com que tais questionamentos apresentados pelas “teorias dissidentes” fossem rotulados como “reflexivistas” por Robert Keohane.
_____Novamente chamo a atenção ao grau de “reflexivismo” presente em cada “teoria dissidente”, o qual não representa a homogeneidade do todo. Há teorias que buscam maior ruptura com a epistemologia racionalista ocidental, como é o caso do pós-modernismo, já outras teorias como o construtivismo, possuem algumas correntes que procuram o dialogo e a construção de “pontes” entre as teorias “tradicionais”. Em maior ou menor grau, o “reflexivismo” está presente na teoria crítica, no feminismo, no pós-modernismo, na sociologia histórica e em algumas correntes do construtivismo.
_____Além da crítica comum ao racionalismo ocidental – e que ao mesmo tempo é a grande diferença perante as teorias tradicionais, as teorias “dissidentes” apresentam outras similaridades: (1) a metodologia utilizada é baseada em interpretações históricas e textuais – além de uma notável interdisciplinaridade; (2) as teorias possuem uma proposta normativa presente – que será tratado mais adiante; (3) os fenômenos das relações internacionais são socialmente construídos, portanto, passiveis de transformação; (4) as “teorias dissidentes” fornecem espaço para assuntos “marginalizados” pelas teorias tradicionais; (5) questionam a hegemonia do realismo nas relações internacionais; (6) e apontam os limites epistemológicos e éticos das teorias tradicionais.
_____Feita esta análise, fica claro que os elementos comuns ressaltados entre as “teorias dissidentes” são em grande parte críticas as “teorias tradicionais”. Essas críticas se fazem mais presentes após as mudanças estruturais do sistema internacional nas décadas de 1980 e 1990, em especial o final da guerra fria. Este período de crises e transformações permitiu maior abertura a discussões de assuntos até então marginalizados pelas teorias hegemônicas ou tradados como low politics. Como exemplo, podemos citar os estudos sobre movimentos de migração, o papel do gênero nas relações internacionais, meio ambiente e desastres naturais, sociedade civil global e representatividade, entre outros. Estes assuntos começaram a ser debatidos com maior seriedade e repercussão, atraindo cada vez mais os acadêmicos da área de relações internacionais. Essa “onda” crítica também é sentida no Brasil, pois é neste mesmo período de abertura democrática (final dos anos 80) que se iniciam maiores debates sobre a representatividade da sociedade civil nas decisões de política externa, aflorando com intensidade a discussão politica externa versus política pública.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O “RETORNO” DA DIMENSÃO NORMATIVA NA TEORIA POLÍTICA.

____Até a ascensão da sociologia no século XIX, todos os trabalhos importantes sobre teoria política procuravam proclamar elementos normativos e empíricos. No entanto, no início do século XX, com a “onda” positivista e a consideração de possíveis leis aplicáveis as ciências sociais, a teoria normativa e a pesquisa empírica se tornaram diferentes ramos das ciências sociais. É exatamente essa dicotomia que procuraremos criticar, uma vez que, a pesquisa empírica pode ser guiada pela teoria normativa, assim como, a teoria normativa pode ser melhorada através das constatações empíricas.
____Mas o que é teoria política normativa? Bauböck (2008) conceitua teoria política normativa como uma disciplina acadêmica que usa modelos específicos de argumentos no sentido de direcionar-se a uma específica questão, variando desde os estilos narrativos as técnicas oriundas da filosofia analítica. A questão comum levantada por esta disciplina é que os discursos prescritivos e valorativos são elencados como um arranjo de proposições, que além de serem consistentes internamente, devem ser defendidos contra abordagens opositoras. As preocupações da teoria política normativa tem sido sobre: (1) o bem comum realizado através da comunidade política; (2) a legitimidade da autoridade política; (3) os direitos e liberdades daqueles vivendo sobre esta autoridade; (4) a natureza e as forças de ligação entre as obrigações políticas.
____Como disse, o século XX foi marcado nas ciências sociais pela onda behaviorista, a qual preparou o terreno para o desenvolvimento dos estudos empíricos, buscando explicar os fatos sociais e políticos sem o julgamento de valores. Neste sentido, teoria normativa foi retratada como algo do passado, a ser estudada pela história das ideias. Essa visão foi defendida pelos racionalistas críticos, amparados pelos escritos de Karl Popper, os quais delimitavam que o critério de demarcação da ciência estaria na possibilidade de construir hipóteses (teorias) falseáveis. A dicotomia fatos/valores também é abordada com precisão a seguir:

“Normative theorizing must deal in facts just as empirical work must deal in values; they do not inhabit different worlds. The selection of a topic in empirical political science presumes a judgment of moral importance. (Therefore) Good social science must integrate both elements; it must be empirically grounded, and it must be relevant to human concerns.” (GERRING, YESNOWITZ, 2006, 108-110p)


____Apesar da velocidade em que o positivismo provocou mudanças na academia norte-americana, isso não determinou o fim dos estudos de teoria política normativa, apenas seu enfraquecimento. O retorno da disciplina nas ciências sociais, de facto, é reflexo dos estudos de John Rawls, em especial no livro Theory of Justice (1971). Sua obra orientou a teoria política normativa em sua contínua tarefa de criticar ou justificar instituições nas sociedades liberais democráticas, além de provocar o spillover effect do debate para as demais disciplinas, em especial a economia.
____Na década de 1990, “pontes” foram construídas por alguns teóricos políticos sobre a lacuna existente entre a disciplina normativa e a pesquisa empírica, o que veio a ser chamado de teoria normativa aplicada. Este novo enfoque institucionalista – o qual presava por maior atenção as variações contextuais – destacou quatro temas proeminentes: (1) teoria não-ideal, a qual propõe a alternância entre as abordagens idealistas e realistas; (2) justiça global, onde o liberalismo requer que a preocupação e o respeito sejam estendidos em nível global; (3) sociedade fechadas, livre circulação de pessoas como meio para nivelar a qualidade de vida, ou redução das discrepâncias na própria nação como condição para a livre circulação; (4) autodeterminação e direito das minorias, debate regido por libertários, liberais igualitaristas, e liberais nacionalistas. Um quinto tema pode ser incorporado através do artigo de Martineau e Squires (2012), o qual proporciona um debate sobre a relação entre teoria política normativa e os estudos empíricos nas pesquisas feministas, questionando até que ponto seria possível estabelecer uma ponte entre os mesmos, ou seria necessário um método crítico alternativo a estas duas abordagens.
____A virada contextual e institucionalista da teoria normativa apresentada acima têm elevado o interesse daqueles que trabalham na área em utilizar as abordagens comparativas e históricas em seus estudos de ciência política. Ainda que alguns estudiosos possuam receio de que, ao importar questões normativas aos seus trabalhos os mesmos percam a corroboração científica, Bauböck (2008), ressalta que esta é uma tarefa inevitável, uma vez que, as questões normativas afetam as ciências sociais em três maneiras diferentes: (1) toda pesquisa científica confronta-se com questões éticas; (2) o objeto de pesquisa não pode ser isolado clinicamente – o pesquisador está envolvido numa relação social com o fenômeno pesquisado; (3) a legitimidade do poder político e da autoridade são o conteúdo de investigação e não apenas o contexto da pesquisa social.
____Neste sentido, qualquer tentativa de purificar as ciências sociais de suas atribuições normativas é uma tentativa equivocada. Tanto a ciência social problem-driven e a teoria normativa estabelecem contribuições importantes para o discurso político, a primeira promove explicações teóricas e conhecimento empírico, a segunda clarifica os argumentos e princípios envolvidos. Sendo assim, os cientistas sociais possuem um reconhecido poder de influencia, o qual deveria ser utilizado para estimular o debate na sociedade civil, e não servir somente de feedback as elites no poder, e se os servissem que o fizessem em público, pois transparência é um dos pilares de uma democracia.

Referências:

___BAUBOCK, R. (2008) ‘Normative Political Theory and Empirical Research’, in D. Della Porta and M. Keating (eds), Approaches and Methodologies in the Social Sciences:A Pluralist Perspective. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 40–60.
___GERRING, John; YESNOWITZ, Joshua. A Normative Turn in Political Science? 2006. Northeastern Political Science Association.Volume 38, Number 1. Boston University
___MARTENEAU, Wendy; SQUIRES, Judith. Addressing the ‘Dismal Disconnection’: Normative Theory, Empirical Inquiry and Dialogic Researchpost. Political Studies. 2012. University of Bristol

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Contribuições da Sociologia Histórica para as Relações Internacionais

____Podemos destacar algumas contribuições da sociologia histórica para as relações internacionais através das exposições de Wallerstein (1996). Em seu artigo The inter-state structure of the modern world-system, o autor procura descrever os condicionantes da estrutura inter-estatal do sistema-mundial moderno. Para tanto, é importante iniciarmos com algumas perguntas simples: o que é a estrutura inter-estatal? O que é um sistema-mundo? Como é construído e como se transforma (evolui/extingue)? Procurando ser objetivo, podemos dizer que a estrutura inter-estatal é uma instituição ou plano de análises que na soma das demais instituições constituem o sistema-mundo. Já este último, é um sistema histórico governado por uma lógica singular, ou seja, um arranjo de regras onde as pessoas e grupos conflitam seus interesses entre si e de acordo com seus valores.
____A última pergunta nos remete a uma explicação mais detalhada. Vivemos em um sistema-mundo capitalista, socialmente estruturado pela divisão do trabalho e pelo acumulo do capital. Para Wallerstein, o sistema econômico de acumulação do modelo capitalista é compatível a uma corrente que une diferentes operações. Sendo que, alguns de seus elos contem operações mais lucrativas e que tendem a estar em áreas menores (centro), outros elos menos rentáveis se encontram mais dispersos geograficamente (periferia). Neste sentido, o acumulo de capital, o qual não possui fronteiras, requer um mercado parcialmente livre, o que só é garantido pela estrutura política e burocrática do Estado. Além dos fatores econômicos, o autor aborda três outras “ferramentas” utilizadas pelo sistema capitalista no sentido de impedir transformações (democratização): (1) a invenção das ideologias; (2) o triunfo do cientificismo; e (3) a contenção dos movimentos anti-sistema.
____Como visto acima, o sistema inter-Estado é essencial para manutenção do sistema-mundo capitalista, o mesmo é governado por um longo processo cíclico, denominado ciclo hegemônico. Neste sentido, a situação ideal para a acumulação de capital para o sistema é a existência de uma potencia hegemônica, forte o suficiente para determinar regras, seja pelo consenso ou pela força. Para Wallerstein, o principal meio de um Estado atingir este status é através da eficiência produtiva, a qual proporcionará eficiência comercial e financeira. Mesmo assim, o autor alerta que chegará uma hora em que a liderança desta potência não será mais automática, a persuasão se tornará difícil e a eficiência produtiva será menor que a dos rivais. Em sua análise, as condições atuais do sistema internacional, não permitirão a ascensão de uma nova potência, o que faz Wallerstein presumir que este sistema-mundo está chegando ao fim, e que outro(s) emergirá.
____Outro autor a contribuir para as relações internacionais, e especificamente sobre a formação inicial do Estado europeus é Tilly (1985). Em seu artigo War Making and State Making as Organized Crime, o autor faz uma analogia do Estado como uma organização criminosa, o qual atribui dois significados a palavra “proteção”, proporcionada pelo Estado: abrigo contra perigos; e cobrador de tributos para evitar “danos” de uma suposta ameaça (interna ou externa). Neste sentido, a guerra (em interação com a acumulação do capital) cria o Estado, e este último possui a legitimidade do monopólio da violência. A partir do momento em que um governante (power holder) possui este monopólio, dentro de um território particular, o mesmo utiliza-se da extorsão para vender “proteção”, esta suposta venda financia novas investidas em outras guerras e territórios. Tilly utiliza a história como corroboração científica, trazendo casos específicos dos Estados europeus em sua formação inicial para defender seus argumentos. Para o autor, os agentes do Estado exercem quatro atividades diferentes e que são interdependentes: (1) war making; (2) state making; (3) proteção; e (4) extração. Sendo assim, Tilly descreve que a guerra virou uma condição normal das RI, sendo que é o meio normal para defender ou ganhar posições no sistema de Estados.
____Feita sua contribuição sobre a formação dos Estados europeus, Tilly (1996) em seu livro Coerção, capital e estados europeus, procura estabelecer algumas premissas sobre a formação dos Estados do Terceiro Mundo. Neste sentido, muitos dos novos Estados nacionais se constituíram por fatores externos: construíram suas instituições de governo sobre influencia de outra potência; dependem que instituições internacionais como a ONU confirmem e conservem a sua participação como membro do sistema internacional; além de possuírem ausência de consenso ou suporte por parte dos cidadãos. Este último quesito para o autor torna o Estado mais favorável a tomadas violentas de poder e mudanças rápidas de governo. Seguindo este pensamento, Tilly faz uma tentativa de colocar a militarização contemporânea sobre uma perspectiva histórica, abordando os impactos da segunda guerra mundial no Terceiro Mundo.
____Contando com o legado de armamento deixado pelas potências colonizadoras ao final da segunda guerra mundial, estes novos Estados não possuíam mais ameaças externas (em sua maioria), e sim instituições frágeis de poder governamental disputadas por diferentes grupos (etnias, classes, etc). Neste sentido, o autor chama atenção de que, a tentativa de matar populações inteiras deixou de ser algo anormal e tornou-se algo rotineiro das décadas pós-guerra. Assim que os regimes parlamentares e democráticos “fracassassem” o exercito de tradição ocidental estava apto a desempenhar o papel de polícia – a chamada especialização do controle interno – em uma relação de causa e efeito: quando os militares chegam ao poder, os direitos humanos e civis caem. Apesar de suas observações pessimistas (reais) sobre a militarização do Terceiro Mundo, Tilly expõe que a confrontação e intervenção da grande potência em forças militares nacionais proporciona um maior controle civil do Estado.

Referências:
TILLY, Charles. “War Making and State Making as Organized Crime”, in: Evans, Peter, Rueschemeyer, Dietrich e Skocpol, Theda, Bringing the State Back In. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, PP. 169-187.
TILLY, Charles. Coerção, capital e estados europeus. São Paulo, Edusp, 1996, PP. 273-316.
WALLERSTEIN, Immanuel. “The inter-state structure of the modern world-system”, in: Smith, Steve, :Booth, Ken e Zalewski, Marysia (eds.), International theory: positivism and beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, pp. 87-107.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Teoria crítica normativa: moral é ética nas relações internacionais.

____A teoria crítica normativa é uma tentativa de contrapor as teorias do mainstream, para isso abordam as mudanças do contexto internacional, tais como os efeitos da globalização na soberania do Estado e a reação por parte da sociedade civil a estes acontecimentos, procuram também debater sobre cidadania, proteção contra “danos” (harm power), direitos individuais, ética e moral nas relações internacionais, emancipação, etc. A agenda da teoria crítica normativa representa o interesse pela mudança e as possibilidades em que esta pode ser realizada – de preferencia para um mundo mais justo, como vamos ver a seguir.
____Em seu artigo the transformation of political community towards ‘a cosmopolitan system of general political security’, Linklater procura debater sobre o ideal kantiano de um sistema cosmopolita de políticas gerais de segurança, o qual busca proteger não apenas os Estados, mas também os indivíduos e suas varias associações. Neste sentido, Linklater coloca em análise se a ideia do desenvolvimento dos direitos do cidadão é antagônica a noção clássica de Estado-nação.
____Segundo Linklater, a capacidade do Estado em fazer as ligações necessárias entre cidadania e nacionalidade está diminuindo, sendo que as forças que proporcionam esse “rompimento” são: globalização e fragmentação. Nessas condições, novas formas de comunidades políticas, e a própria cidadania tornam-se possíveis e desejáveis. Argumenta-se, portanto, que os cidadãos nacionais não podem limitar o acesso à comunidade política, os mesmos possuem deveres morais de incluir no diálogo os cidadãos de outros Estados em ações que possa afetar seus interesses vitais. Apesar de um projeto ambicioso, através destas ações aproximamo-nos (ou deveríamos) de uma democracia cosmopolita, reconhecendo que a distinção entre cidadão e estrangeiro é moralmente irrelevante nas condições atuais de interdependência.
____Para entender melhor a contexto internacional, Linklater procura na escola inglesa três formas de sociedade internacional: (1) pluralista; (2) solidarista; e (3) neo-medieval. O autor vê esses três tipos de sociedade internacional como complementares na promoção da ideia de uma comunidade de comunicação universal, sendo que está comunidade representa o quadro necessário para que haja progresso na ideia kantiana de um sistema cosmopolita de segurança política geral. Outra aproximação de Linkater com a escola inglesa pode ser vista no artigo The problem of harm in world politics. Ao tratar de ordem internacional e sistema de Estados, o autor busca nos comentários de Martin Wight e Hedley Bull as orientações cosmopolitas centrais para sua análise sociológica, também é notável a influencia da EI quando o autor explora a intercessão entre a tradição Grotiana e Kantiana. Podemos resumir a ligação de Linklater com a escola inglesa em: (1) pluralismo metodológico; (2) abordagem histórica e sociológica; (3) utilização do conceito de sociedade internacional; (4) Ordem internacional como pré-condição ao desenvolvimento da justiça.
____Voltando para as tensões entre os indivíduos e o sistema de Estados soberanos, outro autor a abordar esta temática é Frost. Em seu artigo Migrants, civil society and Sovereign States, Frost reconhece que todos nos vivemos em um mundo de Estados soberanos, e que isso indica um comprometimento normativo de nossa parte. Os Estados são responsáveis por promover a cada pessoa proteção, identidade valida, participação política, e instituições que promovam serviços sociais. Também é dever do Estado fazer com que os direitos básicos sejam cumpridos (como vimos com Linklater, o Estado detém o monopólio do poder judiciário), porém Frost nos pergunta: e aqueles indivíduos que vivem fora de um Estado, não possuem direitos? Este é o problema da perspectiva contratual, uma vez que a mesma falha em reconhecer o direito dos de fora (outsiders) através da soberania proclamada dos de dentro (insiders). Neste sentido, o autor aborda uma dicotomia presente entre nosso comprometimento com os direitos humanos e nosso comprometimento com o Estado soberano democrático. Se o mundo é dominado pela linguagem dos direitos humanos, como podemos conciliar estes direitos com a soberania? Para Frost, parte desta resposta pode ser concebida com a criação de uma sociedade civil global, no exemplo utilizado pelo autor, o mútuo reconhecimento dos direitos básicos por parte dos indivíduos proporciona a ligação que irá diminuir a tensão entre soberania e migração.
____Podemos observar que Frost procura desenvolver seus conceitos sobre uma preocupação ética, especialmente sobre a necessidade de não vermos os outsiders como meros objetos, se faz valer para isso o reconhecimento mútuo de direitos básicos de primeira geração e a criação de uma sociedade civil. Linklater, da mesma maneira, expressa os deveres morais cabíveis aos cidadãos, sendo um destes a flexibilidade do diálogo e do consenso, principalmente aos assuntos que interessem aos afetados, mesmo que estes não estejam inseridos na soberania do Estado. Neste sentido, as novas formas de comunidade política e a comunidade comunicativa universal de Linklater são eticamente desejáveis, no mesmo âmbito que é a sociedade civil tratada por Frost.
____Algumas divergências também podem ser elencadas. Para Frost, o Estado tem sua importância na legitimação dos direitos básicos proclamados pela sociedade civil global, o Estado é complementar a esta sociedade civil e deveria agir levando em conta os direitos humanos. Já para Linklater, com a criação de novas formas de comunidades políticas seria possível superar o Estado soberano, não haveria a necessidade de prerrogativas para exercer a cidadania perante o Estado. É importante ressaltar que ambos os autores argumentam que a cidadania e os direitos devem superar a conexão soberania/individuo para se tornarem mais efetivos.

Referências:

FROST, Mervyn. “Migrants, civil society and Sovereign States: Investigating on Ethical Hierarchy”, Political Studies, vol. 5, no. 46, pp. 871-885
LINKLATER, A. The Transformation of Political Community Towards ‘A cosmopolitan System of General Political Security’. YCISS Occasional Paper Number 55 March 1999
LINKLATER , A. “The problem of harm in world politics”, International Affairs, 78, 2, 2002, pp. 319-338.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Sociedade Civil Global: diferentes perspectivas.

____Mervyn Frost nos trás uma conceptualização de sociedade civil global relacionada a uma ampla comunidade ética, sendo vista pelo autor como um programa normativo a ser promovido e atualizado. Para contextualizar sua opinião, Frost relata – baseado na abordagem hegeliana – que todos nós somos atores éticos na totalidade das praticas sociais. A sociedade civil, neste caso, se faz existente quando “eu” exijo meus direitos básicos e reconheço o direito básico dos “outros” – ou seja, é a pratica de reconhecer direitos democráticos em escala global. Ao relacionar sociedade civil à comunidade ética, Frost perpassa a territorialidade do Estado, portanto, a sociedade civil é global no seu alcance, não estando limitada a fronteiras geográficas. O autor complementa ainda que a sociedade civil global pode se fazer presente independente da existência de uma autoridade central. Por não possuir tal centralidade, não deve ser vista como uma posição política coletiva sobre problemas específicos, porém, essa característica não limita sua funcionalidade, a sociedade civil pode impor diversos constrangimentos entre os atores conflitantes, o que proporciona o desenvolvimento de soluções não violentas através do diálogo. Neste sentido, é importante esclarecer que a sociedade civil global não representa o fim dos conflitos étnicos, o Estado também tem sua serventia, pois possui legitimidade em desenvolver leis positivas que garantam a aplicação dos direitos democráticos universais.
____A definição de sociedade civil global de Frost se diferencia da proporcionada por Castells (2008) pelo fator territorial, pelas funções desenvolvidas, pela formação e pela institucionalização formal. Castells nos relata que a sociedade civil global: (1) possui conexões (mesmo que problemáticas) com as instituições nacionais e internacionais; (2) tem como função representar o desejo das pessoas em reconquistar controle político em meio a uma crise de governança global; (3) sua formação não se limita aos direitos democráticos ou problemas éticos; (4) podem ser instituições com políticas e objetivos definidos. Neste ultimo caso Castells expõe os tipos de sociedade civil global, representada pelas organizações não governamentais, movimentos sociais, e movimentos de opinião pública. Para o autor – em sua concepção gramsciana – sociedade civil é a ligação existente entre a sociedade e o Estado, um canal a transformar o Estado através da representação e cidadania.
____Germain e Kenny (1998) tratam da sociedade civil global como as praticas e valores promovidos por instituições transnacionais públicas e privados, as quais são baseadas na progressiva transnacionalização das forças sociais dominantes. Outro autor a debater sobre o assunto é Cox (1999), para o autor é possível entender sociedade civil global em duas perspectivas: (1) no sentido “bottom-up”, o qual se caracteriza por ser o espaço onde os prejudicados pela globalização da econômica mundial podem realizar seus protestos e desenvolver alternativas; e (2) “top-down” onde as corporações e Estados influenciam o desenrolar da sociedade civil, cooptando elementos deste movimento popular. Assim para Cox, sociedade civil global pode ser compreendida como um movimento potencial transformador da ordem social (contra hegemônico) ou como reflexo da dominação do Estado e do poder econômico coorporativo (status quo).

Referências:

CASTELLS, Manuel. The New Public Sphere: Global Civil Society, Communication Networks, and Global Governance. The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science. 2008. 616: 78

COX, Robert. Civil society at the turn of the millenium: prospects for an alternative world order. Review of International Studies (1999), 25, 3–28

FROST, Mervyn. “Migrants, civil society and Sovereign States: Investigating on Ethical Hierarchy”, Political Studies, vol. 5, no. 46, pp. 871-885

GERMAIN, Randall D; KENNY, Michal. “Engaging Gramsci: international relations theory and the new Gramscians”, Review of International Studies, vol. 24, 1998, pp. 3-21.

domingo, 17 de junho de 2012

Teoria Crítica nas Relações Internacionais Hoje

____Craig Murphy em seu artigo the promise of critical theory, partially kept, relata que a teoria crítica de RI permaneceu em torno de duas décadas como “oposição oficial” das abordagens neoutilitaristas (neoliberal/neorealista) na academia dos Estados Unidos. Esse embate se dá no inicio dos anos 1980, especialmente entre o debate neo-neo, os quais priorizavam o desenvolvimento de uma ciência “positiva” de RI. Porém, o contexto da política externa americana dos anos 80 sugere um declínio da teoria crítica de RI, uma vez que, não se tinha mais a crise do petróleo ou a Guerra do Vietnã como grande contestação. O mercado de RI também não era tão promissor como outrora (inicio guerra fria), além do mais as contratações do departamento de Ciência Política nos EUA seguiam um conservadorismo que dificultava a expansão dos pensadores da teoria crítica.
____No entanto, para Murphy, a teoria crítica ainda mantem um lugar na academia norte-americana, e também seu caráter de “oposição oficial”, mesmo que esta ultima esteja sendo disputada pelas abordagens construtivistas. Esse espaço mantido reflete algumas estratégias bem conscientes: (1) expansão metodológica e dos problemas práticos para além do grupo original de teoria crítica, incluindo – através de conexões praticas e intelectuais – outros “dissidentes” como: acadêmicos do sistema-mundo; feministas; pós-estruturalistas e pós-modernistas; e (2) apoio fornecido pelos colegas de pesquisa das relações internacionais com a utilização das leituras críticas norte-americanas em suas classes.
____Mesmo com tal status, o impacto proporcionado pelos pesquisadores da teoria crítica de RI na academia dos EUA é insuficiente para a dimensão a qual se propõe a teoria. Somente Robert Cox é lembrado entre os atores mais importantes do campo das RI nas ultimas duas décadas. Por outro lado, o Construtivismo é bem representado, por nomes como Martha Finnemore, Alexander Wendt, Michael Barnett. Esses dados demonstram a possibilidade de o construtivismo estar requerendo a vaga de “oposição” que outrora esteve à teoria crítica de RI.
____Segundo Price (2008) Apesar da posição marginal ocupada hoje na academia norte-americana, destacam-se alguns “aliados naturais” da teoria crítica. O feminismo, por exemplo, tem desempenhado importante papel crítico nas RI, e tem sua relação com a teoria crítica devido ao seu caráter “transformativo”. Murphy relata como caso de sucesso os trabalhos feministas de Moon e Chin, as quais estão envolvidas em políticas igualitárias, e têm contribuído para a criação de espaço para que as mulheres marginalizadas pudessem definir-se e não mais serem definidas por oficiais do Estado. Outro caso de sucesso a conter características da teoria crítica são os pesquisadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o sucesso se dá especialmente pela demanda existente de determinar as condições que cada ser humano – em determinado país – promove sua vida.
____É valido ressaltar que o contexto mundial – os movimentos concretos que respondem a determinadas situações – são desenvolvidos em lugares específicos, o que não permite que muito dos problemas possam interessar ao quadro de análises de teoria crítica de RI. Murphy sugere que os pesquisadores valorizem e expandam o numero de acadêmicos que trabalhem com pesquisa etnográfica, pois são hoje os críticos que se aproximar dos movimentos sociais que tratavam Marx e Engels. Para o autor, o lugar a ser ocupado na academia americana existe, mas é tarefa dos teóricos críticos fazer com que eles sejam ocupados por tais pesquisadores.

Refências:
MURPHY, Craig. “The promise of critical IR, partially kept”. Review of International Studies, vol. 33, 2007, pp. 117-133.
PRICE, Richard. Critical Theory. The Oxford handbook of international Relations. 2008

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Teoria Crítica das Relações Internacionais: Cox encontra Habermas

____A teoria crítica das relações internacionais (RI) surge como oposição ao debate neo-realista/neo-liberal dos anos 1980. Sua contribuição gira em torno de uma crítica feroz a concepção realista das RI como sendo uma política de poder, além disso, questiona a pretensão científica e o positivismo empregado nas teorias de RI. Para os teóricos críticos, as teorias tradicionais apresentavam limitações na compreensão e análise das mudanças presentes na política mundial. Outro aspecto importante é que a teoria crítica procura incorporar elementos do marxismo como pontos de partida a suas explicações.
____Em seu artigo Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations Theory, Robert Cox propõe que "toda teoria é para algo e para alguém”, além de que, todas as teorias possuem uma perspectiva que é dada através de uma posição social e política em determinado tempo e espaço, neste sentido, todos os velhos conceitos de uma teoria devem ser ajustados, rejeitados ou substituídos por novos conceitos. Não há teoria sem caráter normativo, ao fazer suposições e eleger conceitos a teoria limita o escopo de análise, ou seja, ela vê somente por uma lente, o que impossibilita que ela seja neutra. Cox faz uma crítica contundente às teorias positivas, em especial ao realismo, o qual delimita que os Estados buscam poder e segurança em um sistema de Estado moldado pelos atores majoritários. Ao afirmar essas premissas os pesquisadores realistas induzem o comportamento do Estado e tornam-se teóricos normativos. Ao mesmo tempo, a teoria crítica também é normativa ao promover a emancipação humana.
____No que tange a meta-teoria proposta por Cox, podemos dizer que a mesma é entendida assim pelos seus aspectos ontológicos e epistemológicos sobre a produção do conhecimento. Neste sentido, o autor traz uma divisão de como as teorias se diferem conforme seus propósitos: (1) problem-solving theory, as quais se caracterizam por tomar o mundo como ele é, voltam-se para a fixação de padrões e parâmetros para um problema particular de uma determinada área de um sistema social; (2) critical theory, procura perguntar como tal ordem mundial veio a ser a presente em vez de aceita-la como dada, se direciona ao entendimento da complexidade social e política como um conjunto de fatores (as a whole).
____Já dimensão explicativa de Cox pode ser relatada ao tratar as estruturas históricas como um quadro de análises. O autor propõe que essa análise resulta em uma imagem particular da configuração das forças em um determinado período, a qual pode ser expressa por três categorias de forças, as quais agem reciprocamente: (1) ideias; (2) instituições; e (3) capacidade material. A relação entre estas três forças são determinantes para a ascensão de uma ordem alternativa. Esse estudo leva Cox a definir que a hegemonia não é reduzida somente a dimensão institucional, outros fatores legitimam a permanência de determinada pax.
____Voltando ao caráter normativo, Cox expõe que o neo-realismo induz os atores a adotarem e entenderem o sistema de estados através da racionalidade neo-realista (poder/segurança) como guia de ação, o que para Habermas, no artigo de Payne e Sambat Critical Theory, Habermas, and International Relations , o neo-realismo tem em fato nos ensinado o horror da irracionalidade, onde os “últimos restos de uma relação de confiança essencialista com a razão foram destruídas com os fatos” (guerras) observados no século XX. Assim como Cox, Habermas vê a necessidade de uma nova alternativa teórica das relações internacionais.
____Ao explicar a ascensão de novas estruturas históricas através da conexão entre instituições, capacidade material e ideias, é possível relatar a aproximação de Cox com o pensamento de Habermas no que tange as ideias. Para Cox, as ideias possuem dois significados: (1) consistem nos significados intersubjetivos ou noções compartilhadas da natureza da relação humana e que tende a perpetuar hábitos e expectativas de comportamento (diplomacia); (2) as ideias são as imagens coletivas asseguradas por diferentes grupos de pessoas (justiça). Neste sentido, Habermas relata que em seu projeto de democracia deliberativa se faz necessário à racionalidade comunicativa, e que a mesma só é alcançada com um acordo intersubjetivo. O acordo intersubjetivo tratado por Habermas só é realizado através de um consenso no campo das ideias, tanto nos significados, quando nas noções de imagem coletiva. Esse consenso é a base da legitimação das normas internacionais e de determinada estrutura, uma vez que exista um choque entre as ideias coletivas se levanta a possibilidade material e institucional de uma estrutura alternativa.
____A teoria crítica de relações internacionais representou um consistente contraponto ao positivismo das teorias dominantes nos anos 1980, e possibilitou que abordagens teóricas diferentes pudessem ter suas aspirações, ao menos, colocadas em debate. Cabe ressaltar as dimensões teóricas colocadas em debate por Cox, especialmente ao expor que toda teoria possui um caráter normativo, tirando o rotulo de neutralidade das teorias positivas. Podemos observar que o caráter intersubjetivo das ideias esta presente tanto em Cox quanto em Habermas, trazendo a importância de tal ponto para a legitimação de normas internacionais.

Referências:
COX, Robert. “Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations Theory”. Millennium, vol. 10, no. 2, 1981, pp. 126-155.
PAYNE, Rodger e SAMBAT, Nayef. “Critical theory, Habermas and International Relations”, in: Democratizing Global Politics, NY: Suny Press, 2004, pp. 1-17.
PRICE, Richard. Critical Theory. The Oxford handbook of international Relations. 2008.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Moravcsik e a Teoria Liberal de Política Internacional

_____No livro The Handbook of International Relations, Moravcsik (2008) contribui com o capitulo The New Liberalism. O autor propõe a reformulação da teoria liberal de relações internacionais, em um sentido de tirar-lhe o rótulo de ideológica e utópica, além de, estabelecê-la como abordagem apropriada para o estudo empírico das ciências sociais, e em especial da política internacional. Neste sentido, Moravcsik argumenta que os Estados agem de forma instrumental no mundo para alcançar objetivos em defesa de seus cidadãos, ao agir comportam-se influenciados pelas ideias sociais, interesses e instituições. Em outras palavras, é este conjunto de variáveis que determinam a preferência dos Estados (State preferences). Em seu outro artigo Taking Preferences Seriously: A Liberal Theory of International Politics, Moravcsik (1997) relata que a preferência dos Estados é a configuração mais importante na política mundial, ao passo que os analistas de relações internacionais deveriam dar prioridade a esta variável em seus estudos.
_____Ao elevar a preferência dos Estados como resultado de uma interação entre idéias sociais, interesses e instituições, Moravcsik (2008) sugere que as preferências e o poder social do individuo e os grupos agem como um “cinto de transmissão” na constituição da política externa de determinado Estado. Ou seja, a preferência social delimitará a preferência dos Estados, sendo que esta ultima é representada pela política externa. Sabendo que a preferência dos Estados é uma condição determinante da sua teoria liberal, o autor cita as três variáveis liberais que emergem, e auxiliam a explicar a composição dessa preferência: (1) identidade e as legitimas ordens sociais, a qual estipula quem pertence a sociedade e o que é devido a cada um; (2) Relativo ao campo do interesse, liberalismo comercial (bem econômicos e transações transfronteiriças), é o padrão dos incentivos do marketing transnacional; e (3) referente a estrutura institucional responsável pela representação política doméstica, neste caso, liberalismo republicano. É importante ressaltar que o autor, em seu trabalho, procura elaborar uma teoria de política internacional, ao realiza-la, se utiliza das preferências do Estado como variável determinante, neste sentido, aproxima-se de uma teoria da política externa quando eleva o comportamento dos Estados ao centro de sua análise.

Referências:

MORAVCSIK, Andrew. Taking Preferences Seriously: A Liberal Theory of International Politics. International Organization.1997. 51, 4. 513-553p
MORAVCSIK, Andrew. The New Liberalism, in: Reus Smith, Crhistian e Snidal, Duncan. The Handbook of International Relations. Oxford. 2008. 235-254p

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Governança Global: o motor da ordem mundial em crise

____Há um cheiro de mudança no ar, de fato o cheiro já toma forma e podemos analisa-lo como resultado da transformação estrutural estimulada pela ascensão de uma sociedade civil global. Governança e ordem passaram a ser interesse de outros atores além do Estado, neste contexto, onde o Estado é desafiado e forçado a se readaptar, faz-se necessário aprofundar nossas percepções sobre o assunto em pauta.
____Em seu livro Governance without Government: Order and Change in World Politics, Rosenau define governança como um sistema de ordenação global que depende de sentidos intersubjetivos, mas também de constituições e estatutos formalmente constituídos. Neste sentido, governança refere-se a um comportamento, atividades apoiadas em objetivos comuns, orientadas para metas, e que visam abranger as instituições governamentais e também os mecanismos informais de caráter não-governamental. Em outras palavras, os sistemas de governança operam no nível global e podem basear-se em crenças, hábitos e instituições profundamente enraizadas, no entanto permanecem susceptíveis a mudanças. Sua operacionalização, por ser um sistema de ordenação, só funciona se for “aceito” pela maioria, assim a governança é sempre efetiva, o que permite Rosenau estabelecer um vínculo entre governança e ordem.
____Para Castells, em seu artigo Global Governance and Global politics, governança pode ser entendida em duas vias. Primeiro o autor propõe que governança se refere as instituições políticas encarregadas de gerenciar a transição que o mundo enfrenta em um sentido estrutural: tecnológico, econômico, cultural e institucional. Desta maneira, Castells se aproxima da definição de Rosenau ao elevar governança a um sistema de ordenação. Por outro lado, Castells alerta para o comportamento dos Estados, neste sentido, governança global é vista como um campo de oportunidade para maximizar o interesse nacional de cada Estado, em vez de um campo de discussão sobre novas instituições de governança. Em seu artigo, o autor não procura explorar a conceptualização de governança, uma vez que o mesmo está preocupado em determinar os fatores que geram as crises de governança global, especialmente a atual.
____No que tange as divergências entre os dois autores, Rosenau vai muito além da concepção de governança relatada em Castells. Ao relacionar governança e ordem, Rosenau propõe uma correlação entre as duas variáveis, sendo que uma é a preexistência da outra. Neste sentido, ao estudar a ordem mundial e sua sustentação, o autor expõe três níveis fundamentais de atividade que compõem as numerosas estruturas de sustentação da ordem global: nível ideacional; nível objetivo; e o nível político, no qual se situa a governança. Neste caso, a governança se envolve no nível mais formal e organizado da ordem predominante, onde os atores constituem regimes e instituições, os quais darão expressão e direção aos consensos das inclinações ideacionais e comportamentais.
____Como relatamos acima, para Rosenau a governança global está sempre susceptível a mudança. Uma vez que os níveis ideacional e objetivo podem sofrer alterações, ou seja, mudanças de pensamento e comportamento dos atores, os mesmos induzem o nível político (governança) a desenvolver instituições e regimes voltados para a ordenação e implementação se suas premissas. Essa transformação pode ocorrer, como o autor cita, pela grande variedade de condições materiais existentes, por exemplo: distribuição dos recursos, proliferação tecnológica, etc.
____Sendo assim, é no artigo de Castells que se observa o impacto destas transformações no Estado e na governança global. Observando as transformações do cenário estrutural e a ineficiência do Estado em fornecer soluções para a população, o autor explora o surgimento de uma sociedade civil global em resposta a falta de representação e legitimidade política de determinados interesses e valores. O processo de globalização tem incentivado a percepção de ausência do Estado, portanto as instituições nacionais de governos enfrentam crises de eficiência, legitimidade, identidade e equidade. Hoje as funções centrais são determinadas por processos articulados globalmente, e como resposta, há uma crescente lacuna entre o lugar onde os problemas são definidos e o lugar onde os problemas são gerenciados. Como resultado deste abismo, atores não-governamentais se tornaram os defensores dos interesses, necessidades e valores das pessoas, sendo que, muitas vezes com um papel mais central que o próprio governo. Esta, pode se dizer, é uma resposta encontrada pela sociedade civil global para lidar com os problemas induzidos pela globalização e as mudanças estruturais.
____No entanto, não estamos insinuando que o Estado está em processo de extinção, pelo contrário, o mesmo segundo Castells está se readaptando ao novo cenário. Neste sentido, os Network States (denominação do autor) enfrentam a crise através de três mecanismos: associando-se um com outro e formando uma diversa rede de network; construindo uma densa rede de network formada por instituições internacionais e organizações supranacionais; ou, descentralizando poder e recursos. Para Castells, esses mecanismos podem gerar problemas ideológicos, de coordenação e geopolíticos, resultantes da natureza das instituições e das novas funções e mecanismos que elas têm de desenvolver na tentativa de se adaptar ao contexto da globalização.
____De fato é possível observar diariamente que o mundo está em um processo de transformação estrutural, impulsionado pelas dimensões tecnológica, econômica, cultural e institucional. Nas relações internacionais isso implica mudanças, e se estas não forem bem gerenciadas e em certos casos negligenciadas, a crise política pode se estabelecer, colocando no escopo da análise a governança e a ordem. Os textos trazem algumas premissas em comum sobre este assunto: (1) os indivíduos e grupos tem a capacidade de influenciar na formação das políticas globais; (2) O Estado não é o único ator, e também não é o ator determinante para que os eventos aconteçam; (3) Visão otimista, a mudança é possível, apesar de que ocorra de forma lenta e gradual; (4) o Estado é obsoleto em estabelecer novos padrões de governança global. Desta forma, há de fato uma ascensão de novos atores na tentativa de corrigir a ausência do Estado perante alguns assuntos (direitos humanos, meio ambiente, etc.), e estes são denominados como sociedade civil global.

Referências:
CASTELLS, Manuel. Global Governance and Global Politics. Political Science and Politics. 2005. 9-16p
ROSENAU, James N. Governance without government: order and change in world politics. 2009. Cambridge University Press.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O realismo neoclássico como teoria de política externa

____Teorias de política externa, em geral, analisam o que os Estados tentam conseguir no meio externo e quando eles tentarão agir para conseguir determinado objetivo. Desta maneira a política externa é guiada por fatores tanto externos quanto internos, este último deve vir acompanhado de uma análise das condições específicas em que o mesmo pode ser relevado. O realismo neoclássico propõe a análise nas duas dimensões, atualizando e sistematizando as percepções encontradas no pensamento do realismo clássico. Seus aderentes propõem que a política externa de um país é guiada em primeiro lugar pela sua colocação no sistema internacional, e especificamente pela sua capacidade de seu poder relativo material. Para os realistas neoclássicos, o poder relativo determina os parâmetros da política externa de um país, sendo que é ali que a análise de uma política externa deveria começar. Ao incluir os objetivos e interesses de um Estado é possível delimitar o grau que o mesmo desempenha como status quo ou como Estado revisionista, se o mesmo está satisfeito ou insatisfeito com a distribuição internacional e os princípios do sistema.
____Neste sentido, teorias de política externa que se limitam à analise de fatores sistêmicos, descrevidas pelo realismo ofensivo, tendem a se enganar, uma vez que os tomadores de decisão podem ser constrangidos a atuarem conforme influencia dos fatores domésticos. Da mesma maneira, os realistas defensivos se equivocam ao não levarem em conta que a percepção de uma ameaça se dá pelo poder relativo material dos países. Rose, ainda inclui na lista dos equivocados as teorias Innenpolitik, o autor critica a teoria por não serem capazes de relatar porque Estados com estruturas domesticas similares agem, frequentemente, de maneira diferente na esfera da política externa.
____Para sustentar a teoria de política externa os realistas neoclássicos têm buscado dados em narrativas ou casos de estudo, relatando como as grandes potências têm respondido ao aumento ou declínio do poder relativo material. Nos argumento destes autores fica claro que a distribuição internacional de poder pode guiar as atitudes e comportamento dos países somente em decisões de sobrevivência, aquelas tomadas pelo estadista, sendo que é dever do analista de política exterior explorar os detalhes de como os tomadores de decisão em diferentes países interpretam determinada situação. O erro de cálculo sobre a distribuição das capacidades, e a eficácia ofensiva e defensiva da estratégia militar, tem colocado muitos estadistas em situações delicadas.

Referências:
ROSE, Gildeon. Neoclassical Realism and Theories of Foregn Policy. World Politcs, Vol. 51, No 1 (Oct 1998), pp. 144-172

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A essência do pensamento realista: as premissas de Gilpin

____A disciplina de Relações Internacionais tem desempenhado um grande papel na produção científica sobre diferenciados temas, abordando questões culturais, econômicas, políticas, ideológicas, metodológicas e meta-teóricas. Para Bedin (2004), o resultado da evolução disciplinar das relações internacionais, no século XX, permitiu que se elaborassem modelos teóricos interpretativos, e que os mesmos fossem designados de paradigmas. Ao entender o paradigma como uma visão e interpretação dos fenômenos internacionais amparado por um método, podemos enquadrar o Realismo como sendo um dos principais paradigmas das Relações Internacionais.
____Gilpin, em seu artigo The richness of the Tradition of Political Realism, afirma que o Realismo deve ser visto como uma disposição filosófica, e não uma teoria científica no senso stricto, neste sentido o autor critica alguns teóricos neorealistas pela demasiada busca pela cientificidade da disciplina. De qualquer maneira, o autor relata que a fundação do realismo está centrada no pensamento pessimista sobre o progresso moral e as possibilidades humanas.
____Sendo assim, todos os escritores realistas compartilham entre si três premissas sobre a vida política. A primeira é o reconhecimento da natureza conflituosa que permeia as relações internacionais. Neste caso a anarquia é a regra, já a ordem, justiça e a moralidade são as exceções. Mearsheimer contribui para o entendimento das características da anarquia, segundo o ele, em um ambiente anárquico não há instituição internacional capaz de estabelecer a ordem ou punir potenciais Estados agressores, sendo assim todos os Estados são ameaças em potencial. Neste sentido, não há espaço para confiança, cada Estado deve garantir sua sobrevivência, uma vez que a traição em eventuais alianças ou acordos é uma possibilidade. Gilpin relata que na anarquia a arbitrariedade das relações políticas se dá pelo poder, neste caso, Mearsheimer complementa que os Estados para sobreviver procuram maximizar seu poder relativo à outros Estados, assim, procuram oportunidades de enfraquecer adversários em potencial e melhorar a posição de seu poder relativo. O próprio autor reconhece em seu artigo o seu pessimismo em relação à natureza dos Estados.
____A segunda premissa de Gilpin sobre o realismo é que a essência da realidade social é o grupo. Sendo assim, a construção de blocos ou unidades de vida social e política não são resultados do pensamento liberal do indivíduo ou da luta de classes. É na realidade um “conflito de grupos”, onde os seres humanos na disputa por recursos se organizam como membros de um grupo, e não como indivíduos isolados. Assim, os escritores realistas reconhecem o Estado-nação como sendo o “grupo” mais importante do sistema internacional na atualidade. Porém, Gilpin cogita que uma mudança de nome, tamanho e organização destes grupos é possível através das mudanças econômicas e demográficas, e pelos fatores tecnológicos. O que não é possível, segundo o autor, é uma mudança na essência natural do conflito intergrupal.
____A terceira premissa é própria de nossa natureza, Gilpin a define como motivação humana. Sendo assim, o autor expõe que a humanidade é motivada especialmente pelo poder e segurança. Todos os outros valores, bondade, beleza, lealdade serão dispensados ao não haver segurança no duelo pelo poder entre os diferentes grupos sociais.
____Em seu artigo, Gilpin deixa claro que existem diferenças pontuais entre os realistas clássicos e as aproximações realistas mais contemporâneas. Essas diferenças são marcadas pelo contexto histórico em que escreveram os principais autores clássicos, que para Gilpin são Tucídides, Maquiavel e Carr (pode se contestar a definição destes autores como realistas clássicos, uma vez que os mesmos estavam envolvidos em outro contexto). De qualquer maneira, Gilpin exalta que: não há diferenças significativas sobre a natureza do pensamento realista político; procedimentos metodológicos; o papel dos fatores econômicos; a concepção do Estado e a influência da estrutura no comportamento estatal. Sendo assim, não houve uma ruptura entre o realismo clássico e as aproximações contemporâneas, como propõe Ashley.

GILPIN, Robert G. The Richness of the Tradition of Political Realism. International Organization, Vol. 38, No. 2 (Spring, 1984), pp. 287-304Published

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Realismo em ação: Back to the Future e um "viva" as armas nucleares

____No artigo Back to the future: Instability in Europe after the cold war, Mearsheimer adota em sua analise elementos essenciais do pensamento realista. Primeiro, o autor é pessimista sobre o comportamento e as motivações humanas, o ser humano é motivado pelo poder e pela segurança. Segundo, o Estado para Mearsheimer é o ator central nas relações internacionais, e procura sobreviver em um ambiente anárquico através da maximização de seu poder. Essa luta pela sobrevivência é definida pelo elemento realista da anarquia, quando o autor define o sistema internacional como um ambiente anárquico, o mesmo presume que não há instituição capaz de proteger os Estados um dos outros, desta maneira o Estado deve garantir sua própria existência através do poder, que para Mearsheimer está ligado a capacidade militar que o mesmo possui.
____Ao elevar a segurança como influencia do aparato militar de um Estado, Mearsheimer estabelece que a paz na Europa durante a Guerra Fria é resultado da bipolaridade, da proximidade da balança militar das grandes superpotências, e a presença de um arsenal de armas nucleares nos dois lados da balança. O autor procura focar sua analise no papel desempenhado pelas armas nucleares, e que ainda poderão desempenhar para a manutenção da paz da Europa em uma possível mudança estrutural do sistema, neste caso bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética se extingue, transformando o cenário em uma estrutura multipolar, que para o autor aumenta a chance de conflitos entre os países do velho continente.
____Para manter a segurança na Europa, Mearsheimer disponibiliza três politicas a serem desempenhadas pelos atores. Primeiro, os Estados Unidos deveriam encorajar e manusear cuidadosamente a proliferação de armas nucleares. Segundo, Estados Unidos e Inglaterra deveriam permanecer ativos na Europa, e exercer a balança de poder com qualquer outro Estado agressor emergente. Terceiro, Um esforço conjunto deveria ser realizado no combate ao hipernacionalismo.
Ele desconhece todos os outros meios de segurança: liberalismo econômico e democracias.
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Referências:
MEARSHEIMER, John J. Back to the Future: Instability in Europe after the Cold War. International Security, Vol. 15, No. 1. (Summer, 1990), pp. 5-56.