segunda-feira, 25 de junho de 2012

Sociedade Civil Global: diferentes perspectivas.

____Mervyn Frost nos trás uma conceptualização de sociedade civil global relacionada a uma ampla comunidade ética, sendo vista pelo autor como um programa normativo a ser promovido e atualizado. Para contextualizar sua opinião, Frost relata – baseado na abordagem hegeliana – que todos nós somos atores éticos na totalidade das praticas sociais. A sociedade civil, neste caso, se faz existente quando “eu” exijo meus direitos básicos e reconheço o direito básico dos “outros” – ou seja, é a pratica de reconhecer direitos democráticos em escala global. Ao relacionar sociedade civil à comunidade ética, Frost perpassa a territorialidade do Estado, portanto, a sociedade civil é global no seu alcance, não estando limitada a fronteiras geográficas. O autor complementa ainda que a sociedade civil global pode se fazer presente independente da existência de uma autoridade central. Por não possuir tal centralidade, não deve ser vista como uma posição política coletiva sobre problemas específicos, porém, essa característica não limita sua funcionalidade, a sociedade civil pode impor diversos constrangimentos entre os atores conflitantes, o que proporciona o desenvolvimento de soluções não violentas através do diálogo. Neste sentido, é importante esclarecer que a sociedade civil global não representa o fim dos conflitos étnicos, o Estado também tem sua serventia, pois possui legitimidade em desenvolver leis positivas que garantam a aplicação dos direitos democráticos universais.
____A definição de sociedade civil global de Frost se diferencia da proporcionada por Castells (2008) pelo fator territorial, pelas funções desenvolvidas, pela formação e pela institucionalização formal. Castells nos relata que a sociedade civil global: (1) possui conexões (mesmo que problemáticas) com as instituições nacionais e internacionais; (2) tem como função representar o desejo das pessoas em reconquistar controle político em meio a uma crise de governança global; (3) sua formação não se limita aos direitos democráticos ou problemas éticos; (4) podem ser instituições com políticas e objetivos definidos. Neste ultimo caso Castells expõe os tipos de sociedade civil global, representada pelas organizações não governamentais, movimentos sociais, e movimentos de opinião pública. Para o autor – em sua concepção gramsciana – sociedade civil é a ligação existente entre a sociedade e o Estado, um canal a transformar o Estado através da representação e cidadania.
____Germain e Kenny (1998) tratam da sociedade civil global como as praticas e valores promovidos por instituições transnacionais públicas e privados, as quais são baseadas na progressiva transnacionalização das forças sociais dominantes. Outro autor a debater sobre o assunto é Cox (1999), para o autor é possível entender sociedade civil global em duas perspectivas: (1) no sentido “bottom-up”, o qual se caracteriza por ser o espaço onde os prejudicados pela globalização da econômica mundial podem realizar seus protestos e desenvolver alternativas; e (2) “top-down” onde as corporações e Estados influenciam o desenrolar da sociedade civil, cooptando elementos deste movimento popular. Assim para Cox, sociedade civil global pode ser compreendida como um movimento potencial transformador da ordem social (contra hegemônico) ou como reflexo da dominação do Estado e do poder econômico coorporativo (status quo).

Referências:

CASTELLS, Manuel. The New Public Sphere: Global Civil Society, Communication Networks, and Global Governance. The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science. 2008. 616: 78

COX, Robert. Civil society at the turn of the millenium: prospects for an alternative world order. Review of International Studies (1999), 25, 3–28

FROST, Mervyn. “Migrants, civil society and Sovereign States: Investigating on Ethical Hierarchy”, Political Studies, vol. 5, no. 46, pp. 871-885

GERMAIN, Randall D; KENNY, Michal. “Engaging Gramsci: international relations theory and the new Gramscians”, Review of International Studies, vol. 24, 1998, pp. 3-21.

domingo, 17 de junho de 2012

Teoria Crítica nas Relações Internacionais Hoje

____Craig Murphy em seu artigo the promise of critical theory, partially kept, relata que a teoria crítica de RI permaneceu em torno de duas décadas como “oposição oficial” das abordagens neoutilitaristas (neoliberal/neorealista) na academia dos Estados Unidos. Esse embate se dá no inicio dos anos 1980, especialmente entre o debate neo-neo, os quais priorizavam o desenvolvimento de uma ciência “positiva” de RI. Porém, o contexto da política externa americana dos anos 80 sugere um declínio da teoria crítica de RI, uma vez que, não se tinha mais a crise do petróleo ou a Guerra do Vietnã como grande contestação. O mercado de RI também não era tão promissor como outrora (inicio guerra fria), além do mais as contratações do departamento de Ciência Política nos EUA seguiam um conservadorismo que dificultava a expansão dos pensadores da teoria crítica.
____No entanto, para Murphy, a teoria crítica ainda mantem um lugar na academia norte-americana, e também seu caráter de “oposição oficial”, mesmo que esta ultima esteja sendo disputada pelas abordagens construtivistas. Esse espaço mantido reflete algumas estratégias bem conscientes: (1) expansão metodológica e dos problemas práticos para além do grupo original de teoria crítica, incluindo – através de conexões praticas e intelectuais – outros “dissidentes” como: acadêmicos do sistema-mundo; feministas; pós-estruturalistas e pós-modernistas; e (2) apoio fornecido pelos colegas de pesquisa das relações internacionais com a utilização das leituras críticas norte-americanas em suas classes.
____Mesmo com tal status, o impacto proporcionado pelos pesquisadores da teoria crítica de RI na academia dos EUA é insuficiente para a dimensão a qual se propõe a teoria. Somente Robert Cox é lembrado entre os atores mais importantes do campo das RI nas ultimas duas décadas. Por outro lado, o Construtivismo é bem representado, por nomes como Martha Finnemore, Alexander Wendt, Michael Barnett. Esses dados demonstram a possibilidade de o construtivismo estar requerendo a vaga de “oposição” que outrora esteve à teoria crítica de RI.
____Segundo Price (2008) Apesar da posição marginal ocupada hoje na academia norte-americana, destacam-se alguns “aliados naturais” da teoria crítica. O feminismo, por exemplo, tem desempenhado importante papel crítico nas RI, e tem sua relação com a teoria crítica devido ao seu caráter “transformativo”. Murphy relata como caso de sucesso os trabalhos feministas de Moon e Chin, as quais estão envolvidas em políticas igualitárias, e têm contribuído para a criação de espaço para que as mulheres marginalizadas pudessem definir-se e não mais serem definidas por oficiais do Estado. Outro caso de sucesso a conter características da teoria crítica são os pesquisadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o sucesso se dá especialmente pela demanda existente de determinar as condições que cada ser humano – em determinado país – promove sua vida.
____É valido ressaltar que o contexto mundial – os movimentos concretos que respondem a determinadas situações – são desenvolvidos em lugares específicos, o que não permite que muito dos problemas possam interessar ao quadro de análises de teoria crítica de RI. Murphy sugere que os pesquisadores valorizem e expandam o numero de acadêmicos que trabalhem com pesquisa etnográfica, pois são hoje os críticos que se aproximar dos movimentos sociais que tratavam Marx e Engels. Para o autor, o lugar a ser ocupado na academia americana existe, mas é tarefa dos teóricos críticos fazer com que eles sejam ocupados por tais pesquisadores.

Refências:
MURPHY, Craig. “The promise of critical IR, partially kept”. Review of International Studies, vol. 33, 2007, pp. 117-133.
PRICE, Richard. Critical Theory. The Oxford handbook of international Relations. 2008

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Teoria Crítica das Relações Internacionais: Cox encontra Habermas

____A teoria crítica das relações internacionais (RI) surge como oposição ao debate neo-realista/neo-liberal dos anos 1980. Sua contribuição gira em torno de uma crítica feroz a concepção realista das RI como sendo uma política de poder, além disso, questiona a pretensão científica e o positivismo empregado nas teorias de RI. Para os teóricos críticos, as teorias tradicionais apresentavam limitações na compreensão e análise das mudanças presentes na política mundial. Outro aspecto importante é que a teoria crítica procura incorporar elementos do marxismo como pontos de partida a suas explicações.
____Em seu artigo Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations Theory, Robert Cox propõe que "toda teoria é para algo e para alguém”, além de que, todas as teorias possuem uma perspectiva que é dada através de uma posição social e política em determinado tempo e espaço, neste sentido, todos os velhos conceitos de uma teoria devem ser ajustados, rejeitados ou substituídos por novos conceitos. Não há teoria sem caráter normativo, ao fazer suposições e eleger conceitos a teoria limita o escopo de análise, ou seja, ela vê somente por uma lente, o que impossibilita que ela seja neutra. Cox faz uma crítica contundente às teorias positivas, em especial ao realismo, o qual delimita que os Estados buscam poder e segurança em um sistema de Estado moldado pelos atores majoritários. Ao afirmar essas premissas os pesquisadores realistas induzem o comportamento do Estado e tornam-se teóricos normativos. Ao mesmo tempo, a teoria crítica também é normativa ao promover a emancipação humana.
____No que tange a meta-teoria proposta por Cox, podemos dizer que a mesma é entendida assim pelos seus aspectos ontológicos e epistemológicos sobre a produção do conhecimento. Neste sentido, o autor traz uma divisão de como as teorias se diferem conforme seus propósitos: (1) problem-solving theory, as quais se caracterizam por tomar o mundo como ele é, voltam-se para a fixação de padrões e parâmetros para um problema particular de uma determinada área de um sistema social; (2) critical theory, procura perguntar como tal ordem mundial veio a ser a presente em vez de aceita-la como dada, se direciona ao entendimento da complexidade social e política como um conjunto de fatores (as a whole).
____Já dimensão explicativa de Cox pode ser relatada ao tratar as estruturas históricas como um quadro de análises. O autor propõe que essa análise resulta em uma imagem particular da configuração das forças em um determinado período, a qual pode ser expressa por três categorias de forças, as quais agem reciprocamente: (1) ideias; (2) instituições; e (3) capacidade material. A relação entre estas três forças são determinantes para a ascensão de uma ordem alternativa. Esse estudo leva Cox a definir que a hegemonia não é reduzida somente a dimensão institucional, outros fatores legitimam a permanência de determinada pax.
____Voltando ao caráter normativo, Cox expõe que o neo-realismo induz os atores a adotarem e entenderem o sistema de estados através da racionalidade neo-realista (poder/segurança) como guia de ação, o que para Habermas, no artigo de Payne e Sambat Critical Theory, Habermas, and International Relations , o neo-realismo tem em fato nos ensinado o horror da irracionalidade, onde os “últimos restos de uma relação de confiança essencialista com a razão foram destruídas com os fatos” (guerras) observados no século XX. Assim como Cox, Habermas vê a necessidade de uma nova alternativa teórica das relações internacionais.
____Ao explicar a ascensão de novas estruturas históricas através da conexão entre instituições, capacidade material e ideias, é possível relatar a aproximação de Cox com o pensamento de Habermas no que tange as ideias. Para Cox, as ideias possuem dois significados: (1) consistem nos significados intersubjetivos ou noções compartilhadas da natureza da relação humana e que tende a perpetuar hábitos e expectativas de comportamento (diplomacia); (2) as ideias são as imagens coletivas asseguradas por diferentes grupos de pessoas (justiça). Neste sentido, Habermas relata que em seu projeto de democracia deliberativa se faz necessário à racionalidade comunicativa, e que a mesma só é alcançada com um acordo intersubjetivo. O acordo intersubjetivo tratado por Habermas só é realizado através de um consenso no campo das ideias, tanto nos significados, quando nas noções de imagem coletiva. Esse consenso é a base da legitimação das normas internacionais e de determinada estrutura, uma vez que exista um choque entre as ideias coletivas se levanta a possibilidade material e institucional de uma estrutura alternativa.
____A teoria crítica de relações internacionais representou um consistente contraponto ao positivismo das teorias dominantes nos anos 1980, e possibilitou que abordagens teóricas diferentes pudessem ter suas aspirações, ao menos, colocadas em debate. Cabe ressaltar as dimensões teóricas colocadas em debate por Cox, especialmente ao expor que toda teoria possui um caráter normativo, tirando o rotulo de neutralidade das teorias positivas. Podemos observar que o caráter intersubjetivo das ideias esta presente tanto em Cox quanto em Habermas, trazendo a importância de tal ponto para a legitimação de normas internacionais.

Referências:
COX, Robert. “Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations Theory”. Millennium, vol. 10, no. 2, 1981, pp. 126-155.
PAYNE, Rodger e SAMBAT, Nayef. “Critical theory, Habermas and International Relations”, in: Democratizing Global Politics, NY: Suny Press, 2004, pp. 1-17.
PRICE, Richard. Critical Theory. The Oxford handbook of international Relations. 2008.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Moravcsik e a Teoria Liberal de Política Internacional

_____No livro The Handbook of International Relations, Moravcsik (2008) contribui com o capitulo The New Liberalism. O autor propõe a reformulação da teoria liberal de relações internacionais, em um sentido de tirar-lhe o rótulo de ideológica e utópica, além de, estabelecê-la como abordagem apropriada para o estudo empírico das ciências sociais, e em especial da política internacional. Neste sentido, Moravcsik argumenta que os Estados agem de forma instrumental no mundo para alcançar objetivos em defesa de seus cidadãos, ao agir comportam-se influenciados pelas ideias sociais, interesses e instituições. Em outras palavras, é este conjunto de variáveis que determinam a preferência dos Estados (State preferences). Em seu outro artigo Taking Preferences Seriously: A Liberal Theory of International Politics, Moravcsik (1997) relata que a preferência dos Estados é a configuração mais importante na política mundial, ao passo que os analistas de relações internacionais deveriam dar prioridade a esta variável em seus estudos.
_____Ao elevar a preferência dos Estados como resultado de uma interação entre idéias sociais, interesses e instituições, Moravcsik (2008) sugere que as preferências e o poder social do individuo e os grupos agem como um “cinto de transmissão” na constituição da política externa de determinado Estado. Ou seja, a preferência social delimitará a preferência dos Estados, sendo que esta ultima é representada pela política externa. Sabendo que a preferência dos Estados é uma condição determinante da sua teoria liberal, o autor cita as três variáveis liberais que emergem, e auxiliam a explicar a composição dessa preferência: (1) identidade e as legitimas ordens sociais, a qual estipula quem pertence a sociedade e o que é devido a cada um; (2) Relativo ao campo do interesse, liberalismo comercial (bem econômicos e transações transfronteiriças), é o padrão dos incentivos do marketing transnacional; e (3) referente a estrutura institucional responsável pela representação política doméstica, neste caso, liberalismo republicano. É importante ressaltar que o autor, em seu trabalho, procura elaborar uma teoria de política internacional, ao realiza-la, se utiliza das preferências do Estado como variável determinante, neste sentido, aproxima-se de uma teoria da política externa quando eleva o comportamento dos Estados ao centro de sua análise.

Referências:

MORAVCSIK, Andrew. Taking Preferences Seriously: A Liberal Theory of International Politics. International Organization.1997. 51, 4. 513-553p
MORAVCSIK, Andrew. The New Liberalism, in: Reus Smith, Crhistian e Snidal, Duncan. The Handbook of International Relations. Oxford. 2008. 235-254p