sexta-feira, 27 de julho de 2012

Contribuições da Sociologia Histórica para as Relações Internacionais

____Podemos destacar algumas contribuições da sociologia histórica para as relações internacionais através das exposições de Wallerstein (1996). Em seu artigo The inter-state structure of the modern world-system, o autor procura descrever os condicionantes da estrutura inter-estatal do sistema-mundial moderno. Para tanto, é importante iniciarmos com algumas perguntas simples: o que é a estrutura inter-estatal? O que é um sistema-mundo? Como é construído e como se transforma (evolui/extingue)? Procurando ser objetivo, podemos dizer que a estrutura inter-estatal é uma instituição ou plano de análises que na soma das demais instituições constituem o sistema-mundo. Já este último, é um sistema histórico governado por uma lógica singular, ou seja, um arranjo de regras onde as pessoas e grupos conflitam seus interesses entre si e de acordo com seus valores.
____A última pergunta nos remete a uma explicação mais detalhada. Vivemos em um sistema-mundo capitalista, socialmente estruturado pela divisão do trabalho e pelo acumulo do capital. Para Wallerstein, o sistema econômico de acumulação do modelo capitalista é compatível a uma corrente que une diferentes operações. Sendo que, alguns de seus elos contem operações mais lucrativas e que tendem a estar em áreas menores (centro), outros elos menos rentáveis se encontram mais dispersos geograficamente (periferia). Neste sentido, o acumulo de capital, o qual não possui fronteiras, requer um mercado parcialmente livre, o que só é garantido pela estrutura política e burocrática do Estado. Além dos fatores econômicos, o autor aborda três outras “ferramentas” utilizadas pelo sistema capitalista no sentido de impedir transformações (democratização): (1) a invenção das ideologias; (2) o triunfo do cientificismo; e (3) a contenção dos movimentos anti-sistema.
____Como visto acima, o sistema inter-Estado é essencial para manutenção do sistema-mundo capitalista, o mesmo é governado por um longo processo cíclico, denominado ciclo hegemônico. Neste sentido, a situação ideal para a acumulação de capital para o sistema é a existência de uma potencia hegemônica, forte o suficiente para determinar regras, seja pelo consenso ou pela força. Para Wallerstein, o principal meio de um Estado atingir este status é através da eficiência produtiva, a qual proporcionará eficiência comercial e financeira. Mesmo assim, o autor alerta que chegará uma hora em que a liderança desta potência não será mais automática, a persuasão se tornará difícil e a eficiência produtiva será menor que a dos rivais. Em sua análise, as condições atuais do sistema internacional, não permitirão a ascensão de uma nova potência, o que faz Wallerstein presumir que este sistema-mundo está chegando ao fim, e que outro(s) emergirá.
____Outro autor a contribuir para as relações internacionais, e especificamente sobre a formação inicial do Estado europeus é Tilly (1985). Em seu artigo War Making and State Making as Organized Crime, o autor faz uma analogia do Estado como uma organização criminosa, o qual atribui dois significados a palavra “proteção”, proporcionada pelo Estado: abrigo contra perigos; e cobrador de tributos para evitar “danos” de uma suposta ameaça (interna ou externa). Neste sentido, a guerra (em interação com a acumulação do capital) cria o Estado, e este último possui a legitimidade do monopólio da violência. A partir do momento em que um governante (power holder) possui este monopólio, dentro de um território particular, o mesmo utiliza-se da extorsão para vender “proteção”, esta suposta venda financia novas investidas em outras guerras e territórios. Tilly utiliza a história como corroboração científica, trazendo casos específicos dos Estados europeus em sua formação inicial para defender seus argumentos. Para o autor, os agentes do Estado exercem quatro atividades diferentes e que são interdependentes: (1) war making; (2) state making; (3) proteção; e (4) extração. Sendo assim, Tilly descreve que a guerra virou uma condição normal das RI, sendo que é o meio normal para defender ou ganhar posições no sistema de Estados.
____Feita sua contribuição sobre a formação dos Estados europeus, Tilly (1996) em seu livro Coerção, capital e estados europeus, procura estabelecer algumas premissas sobre a formação dos Estados do Terceiro Mundo. Neste sentido, muitos dos novos Estados nacionais se constituíram por fatores externos: construíram suas instituições de governo sobre influencia de outra potência; dependem que instituições internacionais como a ONU confirmem e conservem a sua participação como membro do sistema internacional; além de possuírem ausência de consenso ou suporte por parte dos cidadãos. Este último quesito para o autor torna o Estado mais favorável a tomadas violentas de poder e mudanças rápidas de governo. Seguindo este pensamento, Tilly faz uma tentativa de colocar a militarização contemporânea sobre uma perspectiva histórica, abordando os impactos da segunda guerra mundial no Terceiro Mundo.
____Contando com o legado de armamento deixado pelas potências colonizadoras ao final da segunda guerra mundial, estes novos Estados não possuíam mais ameaças externas (em sua maioria), e sim instituições frágeis de poder governamental disputadas por diferentes grupos (etnias, classes, etc). Neste sentido, o autor chama atenção de que, a tentativa de matar populações inteiras deixou de ser algo anormal e tornou-se algo rotineiro das décadas pós-guerra. Assim que os regimes parlamentares e democráticos “fracassassem” o exercito de tradição ocidental estava apto a desempenhar o papel de polícia – a chamada especialização do controle interno – em uma relação de causa e efeito: quando os militares chegam ao poder, os direitos humanos e civis caem. Apesar de suas observações pessimistas (reais) sobre a militarização do Terceiro Mundo, Tilly expõe que a confrontação e intervenção da grande potência em forças militares nacionais proporciona um maior controle civil do Estado.

Referências:
TILLY, Charles. “War Making and State Making as Organized Crime”, in: Evans, Peter, Rueschemeyer, Dietrich e Skocpol, Theda, Bringing the State Back In. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, PP. 169-187.
TILLY, Charles. Coerção, capital e estados europeus. São Paulo, Edusp, 1996, PP. 273-316.
WALLERSTEIN, Immanuel. “The inter-state structure of the modern world-system”, in: Smith, Steve, :Booth, Ken e Zalewski, Marysia (eds.), International theory: positivism and beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, pp. 87-107.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Teoria crítica normativa: moral é ética nas relações internacionais.

____A teoria crítica normativa é uma tentativa de contrapor as teorias do mainstream, para isso abordam as mudanças do contexto internacional, tais como os efeitos da globalização na soberania do Estado e a reação por parte da sociedade civil a estes acontecimentos, procuram também debater sobre cidadania, proteção contra “danos” (harm power), direitos individuais, ética e moral nas relações internacionais, emancipação, etc. A agenda da teoria crítica normativa representa o interesse pela mudança e as possibilidades em que esta pode ser realizada – de preferencia para um mundo mais justo, como vamos ver a seguir.
____Em seu artigo the transformation of political community towards ‘a cosmopolitan system of general political security’, Linklater procura debater sobre o ideal kantiano de um sistema cosmopolita de políticas gerais de segurança, o qual busca proteger não apenas os Estados, mas também os indivíduos e suas varias associações. Neste sentido, Linklater coloca em análise se a ideia do desenvolvimento dos direitos do cidadão é antagônica a noção clássica de Estado-nação.
____Segundo Linklater, a capacidade do Estado em fazer as ligações necessárias entre cidadania e nacionalidade está diminuindo, sendo que as forças que proporcionam esse “rompimento” são: globalização e fragmentação. Nessas condições, novas formas de comunidades políticas, e a própria cidadania tornam-se possíveis e desejáveis. Argumenta-se, portanto, que os cidadãos nacionais não podem limitar o acesso à comunidade política, os mesmos possuem deveres morais de incluir no diálogo os cidadãos de outros Estados em ações que possa afetar seus interesses vitais. Apesar de um projeto ambicioso, através destas ações aproximamo-nos (ou deveríamos) de uma democracia cosmopolita, reconhecendo que a distinção entre cidadão e estrangeiro é moralmente irrelevante nas condições atuais de interdependência.
____Para entender melhor a contexto internacional, Linklater procura na escola inglesa três formas de sociedade internacional: (1) pluralista; (2) solidarista; e (3) neo-medieval. O autor vê esses três tipos de sociedade internacional como complementares na promoção da ideia de uma comunidade de comunicação universal, sendo que está comunidade representa o quadro necessário para que haja progresso na ideia kantiana de um sistema cosmopolita de segurança política geral. Outra aproximação de Linkater com a escola inglesa pode ser vista no artigo The problem of harm in world politics. Ao tratar de ordem internacional e sistema de Estados, o autor busca nos comentários de Martin Wight e Hedley Bull as orientações cosmopolitas centrais para sua análise sociológica, também é notável a influencia da EI quando o autor explora a intercessão entre a tradição Grotiana e Kantiana. Podemos resumir a ligação de Linklater com a escola inglesa em: (1) pluralismo metodológico; (2) abordagem histórica e sociológica; (3) utilização do conceito de sociedade internacional; (4) Ordem internacional como pré-condição ao desenvolvimento da justiça.
____Voltando para as tensões entre os indivíduos e o sistema de Estados soberanos, outro autor a abordar esta temática é Frost. Em seu artigo Migrants, civil society and Sovereign States, Frost reconhece que todos nos vivemos em um mundo de Estados soberanos, e que isso indica um comprometimento normativo de nossa parte. Os Estados são responsáveis por promover a cada pessoa proteção, identidade valida, participação política, e instituições que promovam serviços sociais. Também é dever do Estado fazer com que os direitos básicos sejam cumpridos (como vimos com Linklater, o Estado detém o monopólio do poder judiciário), porém Frost nos pergunta: e aqueles indivíduos que vivem fora de um Estado, não possuem direitos? Este é o problema da perspectiva contratual, uma vez que a mesma falha em reconhecer o direito dos de fora (outsiders) através da soberania proclamada dos de dentro (insiders). Neste sentido, o autor aborda uma dicotomia presente entre nosso comprometimento com os direitos humanos e nosso comprometimento com o Estado soberano democrático. Se o mundo é dominado pela linguagem dos direitos humanos, como podemos conciliar estes direitos com a soberania? Para Frost, parte desta resposta pode ser concebida com a criação de uma sociedade civil global, no exemplo utilizado pelo autor, o mútuo reconhecimento dos direitos básicos por parte dos indivíduos proporciona a ligação que irá diminuir a tensão entre soberania e migração.
____Podemos observar que Frost procura desenvolver seus conceitos sobre uma preocupação ética, especialmente sobre a necessidade de não vermos os outsiders como meros objetos, se faz valer para isso o reconhecimento mútuo de direitos básicos de primeira geração e a criação de uma sociedade civil. Linklater, da mesma maneira, expressa os deveres morais cabíveis aos cidadãos, sendo um destes a flexibilidade do diálogo e do consenso, principalmente aos assuntos que interessem aos afetados, mesmo que estes não estejam inseridos na soberania do Estado. Neste sentido, as novas formas de comunidade política e a comunidade comunicativa universal de Linklater são eticamente desejáveis, no mesmo âmbito que é a sociedade civil tratada por Frost.
____Algumas divergências também podem ser elencadas. Para Frost, o Estado tem sua importância na legitimação dos direitos básicos proclamados pela sociedade civil global, o Estado é complementar a esta sociedade civil e deveria agir levando em conta os direitos humanos. Já para Linklater, com a criação de novas formas de comunidades políticas seria possível superar o Estado soberano, não haveria a necessidade de prerrogativas para exercer a cidadania perante o Estado. É importante ressaltar que ambos os autores argumentam que a cidadania e os direitos devem superar a conexão soberania/individuo para se tornarem mais efetivos.

Referências:

FROST, Mervyn. “Migrants, civil society and Sovereign States: Investigating on Ethical Hierarchy”, Political Studies, vol. 5, no. 46, pp. 871-885
LINKLATER, A. The Transformation of Political Community Towards ‘A cosmopolitan System of General Political Security’. YCISS Occasional Paper Number 55 March 1999
LINKLATER , A. “The problem of harm in world politics”, International Affairs, 78, 2, 2002, pp. 319-338.