sexta-feira, 25 de maio de 2012

Governança Global: o motor da ordem mundial em crise

____Há um cheiro de mudança no ar, de fato o cheiro já toma forma e podemos analisa-lo como resultado da transformação estrutural estimulada pela ascensão de uma sociedade civil global. Governança e ordem passaram a ser interesse de outros atores além do Estado, neste contexto, onde o Estado é desafiado e forçado a se readaptar, faz-se necessário aprofundar nossas percepções sobre o assunto em pauta.
____Em seu livro Governance without Government: Order and Change in World Politics, Rosenau define governança como um sistema de ordenação global que depende de sentidos intersubjetivos, mas também de constituições e estatutos formalmente constituídos. Neste sentido, governança refere-se a um comportamento, atividades apoiadas em objetivos comuns, orientadas para metas, e que visam abranger as instituições governamentais e também os mecanismos informais de caráter não-governamental. Em outras palavras, os sistemas de governança operam no nível global e podem basear-se em crenças, hábitos e instituições profundamente enraizadas, no entanto permanecem susceptíveis a mudanças. Sua operacionalização, por ser um sistema de ordenação, só funciona se for “aceito” pela maioria, assim a governança é sempre efetiva, o que permite Rosenau estabelecer um vínculo entre governança e ordem.
____Para Castells, em seu artigo Global Governance and Global politics, governança pode ser entendida em duas vias. Primeiro o autor propõe que governança se refere as instituições políticas encarregadas de gerenciar a transição que o mundo enfrenta em um sentido estrutural: tecnológico, econômico, cultural e institucional. Desta maneira, Castells se aproxima da definição de Rosenau ao elevar governança a um sistema de ordenação. Por outro lado, Castells alerta para o comportamento dos Estados, neste sentido, governança global é vista como um campo de oportunidade para maximizar o interesse nacional de cada Estado, em vez de um campo de discussão sobre novas instituições de governança. Em seu artigo, o autor não procura explorar a conceptualização de governança, uma vez que o mesmo está preocupado em determinar os fatores que geram as crises de governança global, especialmente a atual.
____No que tange as divergências entre os dois autores, Rosenau vai muito além da concepção de governança relatada em Castells. Ao relacionar governança e ordem, Rosenau propõe uma correlação entre as duas variáveis, sendo que uma é a preexistência da outra. Neste sentido, ao estudar a ordem mundial e sua sustentação, o autor expõe três níveis fundamentais de atividade que compõem as numerosas estruturas de sustentação da ordem global: nível ideacional; nível objetivo; e o nível político, no qual se situa a governança. Neste caso, a governança se envolve no nível mais formal e organizado da ordem predominante, onde os atores constituem regimes e instituições, os quais darão expressão e direção aos consensos das inclinações ideacionais e comportamentais.
____Como relatamos acima, para Rosenau a governança global está sempre susceptível a mudança. Uma vez que os níveis ideacional e objetivo podem sofrer alterações, ou seja, mudanças de pensamento e comportamento dos atores, os mesmos induzem o nível político (governança) a desenvolver instituições e regimes voltados para a ordenação e implementação se suas premissas. Essa transformação pode ocorrer, como o autor cita, pela grande variedade de condições materiais existentes, por exemplo: distribuição dos recursos, proliferação tecnológica, etc.
____Sendo assim, é no artigo de Castells que se observa o impacto destas transformações no Estado e na governança global. Observando as transformações do cenário estrutural e a ineficiência do Estado em fornecer soluções para a população, o autor explora o surgimento de uma sociedade civil global em resposta a falta de representação e legitimidade política de determinados interesses e valores. O processo de globalização tem incentivado a percepção de ausência do Estado, portanto as instituições nacionais de governos enfrentam crises de eficiência, legitimidade, identidade e equidade. Hoje as funções centrais são determinadas por processos articulados globalmente, e como resposta, há uma crescente lacuna entre o lugar onde os problemas são definidos e o lugar onde os problemas são gerenciados. Como resultado deste abismo, atores não-governamentais se tornaram os defensores dos interesses, necessidades e valores das pessoas, sendo que, muitas vezes com um papel mais central que o próprio governo. Esta, pode se dizer, é uma resposta encontrada pela sociedade civil global para lidar com os problemas induzidos pela globalização e as mudanças estruturais.
____No entanto, não estamos insinuando que o Estado está em processo de extinção, pelo contrário, o mesmo segundo Castells está se readaptando ao novo cenário. Neste sentido, os Network States (denominação do autor) enfrentam a crise através de três mecanismos: associando-se um com outro e formando uma diversa rede de network; construindo uma densa rede de network formada por instituições internacionais e organizações supranacionais; ou, descentralizando poder e recursos. Para Castells, esses mecanismos podem gerar problemas ideológicos, de coordenação e geopolíticos, resultantes da natureza das instituições e das novas funções e mecanismos que elas têm de desenvolver na tentativa de se adaptar ao contexto da globalização.
____De fato é possível observar diariamente que o mundo está em um processo de transformação estrutural, impulsionado pelas dimensões tecnológica, econômica, cultural e institucional. Nas relações internacionais isso implica mudanças, e se estas não forem bem gerenciadas e em certos casos negligenciadas, a crise política pode se estabelecer, colocando no escopo da análise a governança e a ordem. Os textos trazem algumas premissas em comum sobre este assunto: (1) os indivíduos e grupos tem a capacidade de influenciar na formação das políticas globais; (2) O Estado não é o único ator, e também não é o ator determinante para que os eventos aconteçam; (3) Visão otimista, a mudança é possível, apesar de que ocorra de forma lenta e gradual; (4) o Estado é obsoleto em estabelecer novos padrões de governança global. Desta forma, há de fato uma ascensão de novos atores na tentativa de corrigir a ausência do Estado perante alguns assuntos (direitos humanos, meio ambiente, etc.), e estes são denominados como sociedade civil global.

Referências:
CASTELLS, Manuel. Global Governance and Global Politics. Political Science and Politics. 2005. 9-16p
ROSENAU, James N. Governance without government: order and change in world politics. 2009. Cambridge University Press.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O realismo neoclássico como teoria de política externa

____Teorias de política externa, em geral, analisam o que os Estados tentam conseguir no meio externo e quando eles tentarão agir para conseguir determinado objetivo. Desta maneira a política externa é guiada por fatores tanto externos quanto internos, este último deve vir acompanhado de uma análise das condições específicas em que o mesmo pode ser relevado. O realismo neoclássico propõe a análise nas duas dimensões, atualizando e sistematizando as percepções encontradas no pensamento do realismo clássico. Seus aderentes propõem que a política externa de um país é guiada em primeiro lugar pela sua colocação no sistema internacional, e especificamente pela sua capacidade de seu poder relativo material. Para os realistas neoclássicos, o poder relativo determina os parâmetros da política externa de um país, sendo que é ali que a análise de uma política externa deveria começar. Ao incluir os objetivos e interesses de um Estado é possível delimitar o grau que o mesmo desempenha como status quo ou como Estado revisionista, se o mesmo está satisfeito ou insatisfeito com a distribuição internacional e os princípios do sistema.
____Neste sentido, teorias de política externa que se limitam à analise de fatores sistêmicos, descrevidas pelo realismo ofensivo, tendem a se enganar, uma vez que os tomadores de decisão podem ser constrangidos a atuarem conforme influencia dos fatores domésticos. Da mesma maneira, os realistas defensivos se equivocam ao não levarem em conta que a percepção de uma ameaça se dá pelo poder relativo material dos países. Rose, ainda inclui na lista dos equivocados as teorias Innenpolitik, o autor critica a teoria por não serem capazes de relatar porque Estados com estruturas domesticas similares agem, frequentemente, de maneira diferente na esfera da política externa.
____Para sustentar a teoria de política externa os realistas neoclássicos têm buscado dados em narrativas ou casos de estudo, relatando como as grandes potências têm respondido ao aumento ou declínio do poder relativo material. Nos argumento destes autores fica claro que a distribuição internacional de poder pode guiar as atitudes e comportamento dos países somente em decisões de sobrevivência, aquelas tomadas pelo estadista, sendo que é dever do analista de política exterior explorar os detalhes de como os tomadores de decisão em diferentes países interpretam determinada situação. O erro de cálculo sobre a distribuição das capacidades, e a eficácia ofensiva e defensiva da estratégia militar, tem colocado muitos estadistas em situações delicadas.

Referências:
ROSE, Gildeon. Neoclassical Realism and Theories of Foregn Policy. World Politcs, Vol. 51, No 1 (Oct 1998), pp. 144-172

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A essência do pensamento realista: as premissas de Gilpin

____A disciplina de Relações Internacionais tem desempenhado um grande papel na produção científica sobre diferenciados temas, abordando questões culturais, econômicas, políticas, ideológicas, metodológicas e meta-teóricas. Para Bedin (2004), o resultado da evolução disciplinar das relações internacionais, no século XX, permitiu que se elaborassem modelos teóricos interpretativos, e que os mesmos fossem designados de paradigmas. Ao entender o paradigma como uma visão e interpretação dos fenômenos internacionais amparado por um método, podemos enquadrar o Realismo como sendo um dos principais paradigmas das Relações Internacionais.
____Gilpin, em seu artigo The richness of the Tradition of Political Realism, afirma que o Realismo deve ser visto como uma disposição filosófica, e não uma teoria científica no senso stricto, neste sentido o autor critica alguns teóricos neorealistas pela demasiada busca pela cientificidade da disciplina. De qualquer maneira, o autor relata que a fundação do realismo está centrada no pensamento pessimista sobre o progresso moral e as possibilidades humanas.
____Sendo assim, todos os escritores realistas compartilham entre si três premissas sobre a vida política. A primeira é o reconhecimento da natureza conflituosa que permeia as relações internacionais. Neste caso a anarquia é a regra, já a ordem, justiça e a moralidade são as exceções. Mearsheimer contribui para o entendimento das características da anarquia, segundo o ele, em um ambiente anárquico não há instituição internacional capaz de estabelecer a ordem ou punir potenciais Estados agressores, sendo assim todos os Estados são ameaças em potencial. Neste sentido, não há espaço para confiança, cada Estado deve garantir sua sobrevivência, uma vez que a traição em eventuais alianças ou acordos é uma possibilidade. Gilpin relata que na anarquia a arbitrariedade das relações políticas se dá pelo poder, neste caso, Mearsheimer complementa que os Estados para sobreviver procuram maximizar seu poder relativo à outros Estados, assim, procuram oportunidades de enfraquecer adversários em potencial e melhorar a posição de seu poder relativo. O próprio autor reconhece em seu artigo o seu pessimismo em relação à natureza dos Estados.
____A segunda premissa de Gilpin sobre o realismo é que a essência da realidade social é o grupo. Sendo assim, a construção de blocos ou unidades de vida social e política não são resultados do pensamento liberal do indivíduo ou da luta de classes. É na realidade um “conflito de grupos”, onde os seres humanos na disputa por recursos se organizam como membros de um grupo, e não como indivíduos isolados. Assim, os escritores realistas reconhecem o Estado-nação como sendo o “grupo” mais importante do sistema internacional na atualidade. Porém, Gilpin cogita que uma mudança de nome, tamanho e organização destes grupos é possível através das mudanças econômicas e demográficas, e pelos fatores tecnológicos. O que não é possível, segundo o autor, é uma mudança na essência natural do conflito intergrupal.
____A terceira premissa é própria de nossa natureza, Gilpin a define como motivação humana. Sendo assim, o autor expõe que a humanidade é motivada especialmente pelo poder e segurança. Todos os outros valores, bondade, beleza, lealdade serão dispensados ao não haver segurança no duelo pelo poder entre os diferentes grupos sociais.
____Em seu artigo, Gilpin deixa claro que existem diferenças pontuais entre os realistas clássicos e as aproximações realistas mais contemporâneas. Essas diferenças são marcadas pelo contexto histórico em que escreveram os principais autores clássicos, que para Gilpin são Tucídides, Maquiavel e Carr (pode se contestar a definição destes autores como realistas clássicos, uma vez que os mesmos estavam envolvidos em outro contexto). De qualquer maneira, Gilpin exalta que: não há diferenças significativas sobre a natureza do pensamento realista político; procedimentos metodológicos; o papel dos fatores econômicos; a concepção do Estado e a influência da estrutura no comportamento estatal. Sendo assim, não houve uma ruptura entre o realismo clássico e as aproximações contemporâneas, como propõe Ashley.

GILPIN, Robert G. The Richness of the Tradition of Political Realism. International Organization, Vol. 38, No. 2 (Spring, 1984), pp. 287-304Published