quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O longo século XX de Geovanni Arrighi - Resenha

___As décadas de 1970 e 1980 foram altamente produtivas para o campo das Relações Internacionais. O contexto de crise norte-americana, vivenciado pelos analistas, auxiliou no desenvolvimento de estudos sobre hegemonia, liderança, ascensão e queda das grandes potências, formação das estruturas de mercado, entre outros. É neste clima que Arrighi delimita as premissas estruturais do sistema mundial capitalista no longo século XX. Algumas perguntas incitam o autor: (1) quais processos levaram a concentração de capital e o surgimento das estruturas que precederam (formam a base) dos ciclos sistêmicos de acumulação? (2) de que maneira as dinâmicas no interior destes ciclos possibilitam o desenvolvimento de novos ciclos? (3) qual a relação entre o Estado e o processo de acumulação e expansão do capital? (4) as estruturas do capitalismo norte-americano constituem o limite máximo do processo de expansão e auto-expansão do capital? (5) estaria a história capitalista prestes a terminar?
___Através dessas indagações (e muitas outras) podemos perceber que a análise de Arrighi se encontra em um plano estrutural, sendo seu interesse principal desvendar como o capitalismo ergueu-se acima das estruturas da economia mundial de mercado preexistente, e com o decorrer do tempo, adquiriu poder suficiente para moldar os mercados e vidas do mundo inteiro. Neste sentido, utiliza-se da noção de ciclo sistêmico capitalista, que deriva da ideia do capitalismo como a camada superior do mundo dos negócios. Ao centrar-se neste plano metodológico, o livro nos passa informações limitadas sobre as outras camadas de negócios, tais como a economia de mercado e a vida material. Porém, o autor ressalta que o verdadeiro lar do capitalismo encontra-se no topo da hierarquia, e é nesta camada superior que estão os grandes predadores capitalistas, os quais determinam as dinâmicas de concentração de capital.
___Arrighi traz para sua análise o padrão marxista do capitalismo histórico como sistema mundial. Neste sentido, o aspecto central de suas exposições é a alternância de períodos de expansão material com fases de renascimento e expansão financeira. Juntos esses dois períodos constituem o ciclo sistêmico de acumulação (CSA). Para Arrighi é possível identificar quatro CSA: o ciclo genovês; o holandês; o britânico; e o norte-americano. Após determinar os períodos de vigência de cada um, o autor elabora uma análise comparativa dos sucessivos ciclos, trazendo para a atualidade elementos explicativos sobre: (1) padrões de recorrência e evolução, que se reproduzem na fase norte-americana de expansão financeira e restruturação sistêmica e; (2) as anomalias da atual fase de expansão financeira, que pode levar a um rompimento com os padrões anteriores e a superação deste ciclo.
___Arrighi nos chama atenção para a transição do poder capitalista disperso para um poder concentrado, sendo o aspecto mais importante a fusão singular do Estado com o capital. Neste sentido, a concorrência entre os Estado pelo capital foi essencial em todas as fases de expansão financeira, em especial na formação dos blocos e organizações governamentais e empresariais que conduzirão a economia capitalista em suas fases de expansão. Sendo que, as mudanças de ciclos ocorrem através de uma verdadeira revolução organizacional nas estratégias e estruturas destes agentes, cada vez mais amplos e complexos.
___Ainda sobre os aspectos metodológicos de sua pesquisa, o autor elenca dois espaços de desenvolvimento do capitalismo: o espaço de lugares; e o espaço de fluxos. Duas genealogias derivam dessa análise, Arrighi estabelece que o capitalismo moderno originou-se no protótipo da principal organização empresarial não territorial de todas as eras, a nação genovesa (espaço de fluxos). É através dessa genealogia que se possibilita o desenvolvimento como uma sucessão de ciclos sistêmicos de acumulação.
___O ponto de partida de Arrighi é a expansão financeira no fim da expansão comercial do século XIII e XIV. Foi no decorres desta última expansão que os agentes do primeiro CSA se formaram e foram delineados os aspectos fundamentais de todas as expansões financeiras posteriores. O traço mais importante desse período tratado acima foi a súbita concorrência intercapitalista, em especial entre Genova e Veneza.
___Sobre a expansão e desenvolvimento dos CSA, o autor explicita que: (1) um novo regime de acumulação se desenvolve dentro do antigo; (2) ocorre um período de consolidação e desenvolvimento que os agentes se beneficiam pela expansão material de toda a economia mundial e; (3) seguido por um segundo período de expansão financeira, onde surgem regimes concorrentes e alternativos. Essa expansão financeira é denominada de crise sinalizadora, e os eventos que levam a superação final do ciclo de crise terminal.
___Sendo assim, o longo século vinte possui três períodos definidos: da crise sinalizadora até a crise terminal do ciclo britânico; da crise terminal do regime britânico até a crise sinalizadora do EUA; e a crise sinalizadora dos EUA até a crise terminal do mesmo. Arrighi nota que o período entre as crises sinalizadoras está cada vez mais curto, além de que, quanto mais poderosos os blocos e estruturas organizacionais de acumulação mais curto é o ciclo vital de um regime.
___Sobre os tipos de concentração de capital, o autor identifica duas formas simultâneas: (1) um dentro das estruturas organizacionais do ciclo de acumulação que está chegando ao fim e; (2) outro no sentido de aprofundar a crise do sistema, fazendo brotar estruturas regionais de acumulação que desestabilizam o antigo regime e antecipam a emergência de um novo. Neste sentido, descrever o longo século XX é contar como o regime dos EUA: emergiu dos limites, contradições e crises do imperialismo de livre comércio do reino unido, em quanto estrutura regional dominante da economia mundial capitalista; reconstituiu a economia mundial em bases que possibilitaram outra rodada de expansão material e; atingiu sua própria maturidade, e quem sabe esteja preparando o terreno para o surgimento de um novo regime dominante.
___No que tange a crise norte-americana, são quatro as medidas governamentais que podem justifica-la: (1) competição pelo capital circulante através da elevação das taxas de juro; (2) desregulamentação para atração do capital, ou seja, liberdade de ação das empresas; (3) endividamento do estado; (4) a dívida associada com a guerra fria, através do programa de defesa estratégica. Juntando esses fatores, é possível observar a perda de credibilidade dos EUA pela guerra do Vietnã, nas palavras de Arrighi, “é na guerra do Vietnã que o governo EUA perde seu aparato de vigilante do mundo livre, além de demonstrar que todo o aparato militar não faz dobrar a vontade de um povo” (ARRIGHI, 1996, p333).
___É possível notar que o objetivo do estudo proposto por Arrighi é um tanto amplo e em parte inovador, uma vez que pretende analisar a dimensão estrutural da formação do sistema mundial capitalista, a qual está acima das estruturas de mercado analisadas por Wallerstain e acima da própria vida material. Para o autor, esta hierarquia não representa uma separação orgânica, é simplesmente um arcabouço metodológico efetuado para análise, ou seja, há uma dialética entre os níveis citados por Arrighi, os quais influenciam um ao outro de maneira dinâmica.
___Ao delimitar o inicio dos ciclos sistêmicos de acumulação nas cidades-Estados italianas, o autor remete sua tese ao momento da concentração do capital como base das estruturas e organizações que viriam a ser os futuros CSA. Também dá importância a formação do Estado moderno como propulsor da concorrência e da expansão material e financeira do capital, além de destacar o papel do Estado hegemônico na regulamentação e “ordem” do sistema mundial capitalista. Para o embasamento empírico o autor utiliza-se da história e dos eventos que nela se sucederam, é desta maneira que suas descrições específicas possibilitam a contextualização dos principais agentes do capitalismo.


REFERÊNCIAS:
ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder, e as origens de nosso tempo. 1996.