___As décadas de 1970 e 1980 foram altamente produtivas para o campo das Relações Internacionais. O contexto de crise norte-americana, vivenciado pelos analistas, auxiliou no desenvolvimento de estudos sobre hegemonia, liderança, ascensão e queda das grandes potências, formação das estruturas de mercado, entre outros. É neste clima que Arrighi delimita as premissas estruturais do sistema mundial capitalista no longo século XX. Algumas perguntas incitam o autor: (1) quais processos levaram a concentração de capital e o surgimento das estruturas que precederam (formam a base) dos ciclos sistêmicos de acumulação? (2) de que maneira as dinâmicas no interior destes ciclos possibilitam o desenvolvimento de novos ciclos? (3) qual a relação entre o Estado e o processo de acumulação e expansão do capital? (4) as estruturas do capitalismo norte-americano constituem o limite máximo do processo de expansão e auto-expansão do capital? (5) estaria a história capitalista prestes a terminar?
___Através dessas indagações (e muitas outras) podemos perceber que a análise de Arrighi se encontra em um plano estrutural, sendo seu interesse principal desvendar como o capitalismo ergueu-se acima das estruturas da economia mundial de mercado preexistente, e com o decorrer do tempo, adquiriu poder suficiente para moldar os mercados e vidas do mundo inteiro. Neste sentido, utiliza-se da noção de ciclo sistêmico capitalista, que deriva da ideia do capitalismo como a camada superior do mundo dos negócios. Ao centrar-se neste plano metodológico, o livro nos passa informações limitadas sobre as outras camadas de negócios, tais como a economia de mercado e a vida material. Porém, o autor ressalta que o verdadeiro lar do capitalismo encontra-se no topo da hierarquia, e é nesta camada superior que estão os grandes predadores capitalistas, os quais determinam as dinâmicas de concentração de capital.
___Arrighi traz para sua análise o padrão marxista do capitalismo histórico como sistema mundial. Neste sentido, o aspecto central de suas exposições é a alternância de períodos de expansão material com fases de renascimento e expansão financeira. Juntos esses dois períodos constituem o ciclo sistêmico de acumulação (CSA). Para Arrighi é possível identificar quatro CSA: o ciclo genovês; o holandês; o britânico; e o norte-americano. Após determinar os períodos de vigência de cada um, o autor elabora uma análise comparativa dos sucessivos ciclos, trazendo para a atualidade elementos explicativos sobre: (1) padrões de recorrência e evolução, que se reproduzem na fase norte-americana de expansão financeira e restruturação sistêmica e; (2) as anomalias da atual fase de expansão financeira, que pode levar a um rompimento com os padrões anteriores e a superação deste ciclo.
___Arrighi nos chama atenção para a transição do poder capitalista disperso para um poder concentrado, sendo o aspecto mais importante a fusão singular do Estado com o capital. Neste sentido, a concorrência entre os Estado pelo capital foi essencial em todas as fases de expansão financeira, em especial na formação dos blocos e organizações governamentais e empresariais que conduzirão a economia capitalista em suas fases de expansão. Sendo que, as mudanças de ciclos ocorrem através de uma verdadeira revolução organizacional nas estratégias e estruturas destes agentes, cada vez mais amplos e complexos.
___Ainda sobre os aspectos metodológicos de sua pesquisa, o autor elenca dois espaços de desenvolvimento do capitalismo: o espaço de lugares; e o espaço de fluxos. Duas genealogias derivam dessa análise, Arrighi estabelece que o capitalismo moderno originou-se no protótipo da principal organização empresarial não territorial de todas as eras, a nação genovesa (espaço de fluxos). É através dessa genealogia que se possibilita o desenvolvimento como uma sucessão de ciclos sistêmicos de acumulação.
___O ponto de partida de Arrighi é a expansão financeira no fim da expansão comercial do século XIII e XIV. Foi no decorres desta última expansão que os agentes do primeiro CSA se formaram e foram delineados os aspectos fundamentais de todas as expansões financeiras posteriores. O traço mais importante desse período tratado acima foi a súbita concorrência intercapitalista, em especial entre Genova e Veneza.
___Sobre a expansão e desenvolvimento dos CSA, o autor explicita que: (1) um novo regime de acumulação se desenvolve dentro do antigo; (2) ocorre um período de consolidação e desenvolvimento que os agentes se beneficiam pela expansão material de toda a economia mundial e; (3) seguido por um segundo período de expansão financeira, onde surgem regimes concorrentes e alternativos. Essa expansão financeira é denominada de crise sinalizadora, e os eventos que levam a superação final do ciclo de crise terminal.
___Sendo assim, o longo século vinte possui três períodos definidos: da crise sinalizadora até a crise terminal do ciclo britânico; da crise terminal do regime britânico até a crise sinalizadora do EUA; e a crise sinalizadora dos EUA até a crise terminal do mesmo. Arrighi nota que o período entre as crises sinalizadoras está cada vez mais curto, além de que, quanto mais poderosos os blocos e estruturas organizacionais de acumulação mais curto é o ciclo vital de um regime.
___Sobre os tipos de concentração de capital, o autor identifica duas formas simultâneas: (1) um dentro das estruturas organizacionais do ciclo de acumulação que está chegando ao fim e; (2) outro no sentido de aprofundar a crise do sistema, fazendo brotar estruturas regionais de acumulação que desestabilizam o antigo regime e antecipam a emergência de um novo. Neste sentido, descrever o longo século XX é contar como o regime dos EUA: emergiu dos limites, contradições e crises do imperialismo de livre comércio do reino unido, em quanto estrutura regional dominante da economia mundial capitalista; reconstituiu a economia mundial em bases que possibilitaram outra rodada de expansão material e; atingiu sua própria maturidade, e quem sabe esteja preparando o terreno para o surgimento de um novo regime dominante.
___No que tange a crise norte-americana, são quatro as medidas governamentais que podem justifica-la: (1) competição pelo capital circulante através da elevação das taxas de juro; (2) desregulamentação para atração do capital, ou seja, liberdade de ação das empresas; (3) endividamento do estado; (4) a dívida associada com a guerra fria, através do programa de defesa estratégica. Juntando esses fatores, é possível observar a perda de credibilidade dos EUA pela guerra do Vietnã, nas palavras de Arrighi, “é na guerra do Vietnã que o governo EUA perde seu aparato de vigilante do mundo livre, além de demonstrar que todo o aparato militar não faz dobrar a vontade de um povo” (ARRIGHI, 1996, p333).
___É possível notar que o objetivo do estudo proposto por Arrighi é um tanto amplo e em parte inovador, uma vez que pretende analisar a dimensão estrutural da formação do sistema mundial capitalista, a qual está acima das estruturas de mercado analisadas por Wallerstain e acima da própria vida material. Para o autor, esta hierarquia não representa uma separação orgânica, é simplesmente um arcabouço metodológico efetuado para análise, ou seja, há uma dialética entre os níveis citados por Arrighi, os quais influenciam um ao outro de maneira dinâmica.
___Ao delimitar o inicio dos ciclos sistêmicos de acumulação nas cidades-Estados italianas, o autor remete sua tese ao momento da concentração do capital como base das estruturas e organizações que viriam a ser os futuros CSA. Também dá importância a formação do Estado moderno como propulsor da concorrência e da expansão material e financeira do capital, além de destacar o papel do Estado hegemônico na regulamentação e “ordem” do sistema mundial capitalista. Para o embasamento empírico o autor utiliza-se da história e dos eventos que nela se sucederam, é desta maneira que suas descrições específicas possibilitam a contextualização dos principais agentes do capitalismo.
REFERÊNCIAS:
ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder, e as origens de nosso tempo. 1996.
O nosso mundo é o seu mundo
A vida é dialética, tente acompanhar o movimento ou assista ela passar!
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Teorias “Dissidentes” nas Relações Internacionais: conteúdo normativo, explicativo e as conexões com outras disciplinas.
____Em uma postagem anterior procurei trabalhar os enfoques epistemológicos das “teorias dissidentes”. Para ir além, proponho agora uma breve reflexão sobre suas: (1) diferentes capacidades explicativas; (2) propostas normativas distintas; (3) conexões singulares com outras teorias/enfoques/disciplinas. Sendo assim, esses tópicos serão explorados a seguir dentro de cada perspectiva teórica.
____A teoria crítica inicia sua trajetória nas relações internacionais na década de 80, tendo como principais expositores Ashley, Cox e Linklater. Essa perspectiva teórica procura estudar as mudanças estruturais do sistema internacionais – formação, manutenção e transformação. Ao estudar as mudanças da ordem mundial, Cox utiliza em sua proposta explicativa o materialismo histórico e alguns elementos do realismo antecedente a Morgenthau. Encontramos em seus trabalhos fortes críticas às “teorias tradicionais”, as quais são rotuladas como problem-solving. O autor nos alerta sobre a ligação entre conhecimento e política, uma vez que não há separação entre o sujeito e o objeto de estudo, “todo conhecimento é feito para alguém e para algum propósito”. Neste caso, o conhecimento gerado pelas teorias problem-solving carregam interesses e convicções que impossibilitam o surgimento de uma ordem social mais justa.
____A teoria crítica não procura apenas explicar ou descrever a sociedade, mas sim transforma-la. Ao colocar em cheque as estruturas do sistema internacional e sua relação com a comunidade política, a teoria crítica encontra nas exposições de Linklater argumentos de caráter cosmopolita que melhor promoverão liberdade, justiça e igualdade. Neste caso, a teoria critica normativa de Linklater não tem como proposito principal a explicação dos fenômenos (causa e efeito), mas sim avaliá-los desde o ponto de vista ético. A proposta da teoria crítica nos faz repensar as fundações normativas da política mundial. Além de incitar o debate sobre um mundo passível de construção, nos abre a possibilidade da “mudança” ser de acordo com os interesses de uma futura comunidade comunicativa universal.
____Maior desconfiança perante os interesses das teorias tradicionais são levantadas pelos acadêmicos pós-modernos. O pós-modernismo é um pensamento oposto ao projeto de modernidade e possui influencia de outras disciplinas como a linguística e a genealogia. Acadêmicos adeptos a este pensamento negam a possibilidade de conhecer o mundo e teorizar sobre ele, e desconfiam dos esforços “tradicionais” em encontrar verdades universais. Com esta postura anticientífica, o pós-modernismo procura nas análises de textos, discursos e narrativas a possibilidade de aproximação com o mundo. Os próprios autores deste pensamento não admitem a probabilidade de produzir conhecimento verdadeiro, não seguem critérios de demarcação ou metodologia rigorosa, e nem primam pela qualidade de suas fontes, o que coloca em cheque suas capacidades em propor explicações substantivas. A proposta normativa do pós-modernismo se concentra na valorização da diferença e no reconhecimento e dos outros tipos de saberes. No entanto, ao aplicarem o método de desconstrução sobre determinado significado, não procuram desenvolver uma agenda normativa clara sobre o futuro, ou de como seria este mundo pós-moderno. Observamos assim, que estes autores desconstroem muito e constroem (procuram construir) pouco.
____Podemos encontrar melhor consistência explicativa e normativa nas teorias de gênero sobre as relações internacionais, sendo que o maior destaque se dá aos trabalhos feministas. O feminismo é um projeto politico que visa eliminar as situações de exploração, opressão e desigualdade que imperam em nossa sociedade patriarcal. Por ser um projeto político, está carregado de elementos normativos, aproximando-se desta maneira de perspectivas liberais, socialistas/marxistas, ou radicais. Neste sentido, os autores procuram em seus argumentos normativos a superação das limitações impostas pelo uso do positivismo. Para deixar claro, o feminismo também apresenta pluralidade em sua concepção epistemológica, partindo de estudos mais empíricos até os que se aproximam das percepções do pós-modernismo. As diferentes perspectivas destacadas procuram desenvolver uma agenda complementar, fortalecendo a proposta explicativa do feminista para as relações internacionais.
____Diferente do feminismo, a sociologia histórica é mais moderada na composição de suas críticas ao positivismo. Por um lado, encontramos a escola de Wallerstein (sistema-mundo) que propõe criticas assertivas sobre o positivismo, por outro lado nos deparamos com a sociologia histórica “neo-weberiana”, muito mais científica e “positiva”. De qualquer maneira, a sociologia histórica analisa de maneira crítica alguns períodos específicos da história, sendo que suas principais contribuições partem dos estudos sobre a formação do Estado-nação e o sistema de Estados em que se organizam as relações internacionais. Além da análise histórica e sociológica, os autores que trabalham sobre esta perspectiva utilizam-se das disciplinas de economia, antropologia, ciência política, entre outras. A proposta explicativa da sociologia histórica não procura renunciar os métodos científicos, pelo contrário, seus estudos estabelecem os mecanismos de causa e efeito que determinam a simbiose entre o Estado-nação e o capitalismo, entre o sistema político e o sistema econômico. Sobre a dimensão normativa, a teoria procura destacar as desigualdades existentes através da hierarquia, na ótica da separação centro-periferia. Os autores que expõem esta abordagem destacam um otimismo perante a possibilidade de mudanças do sistema internacional, porém não procuram estabelecer uma proposta normativa muito menos prever se a suposta mudança é no sentido de maior justiça ou maior desigualdade.
____O estudo das estruturas do sistema internacional também possuem adeptos no construtivismo. Seguindo o mesmo conteúdo interdisciplinar e com influencias da sociologia e da história, o construtivismo é um programa de investigação constituído sobre as carências percebidas nas “teorias tradicionais”. O construtivismo não é uma teoria, e também não apresenta um programa de pesquisa homogêneo, pois seus autores bebem de fontes diferentes, desde abordagens mais racionalistas até as premissas da hermenêutica interpretativa, e por vezes combinando explicação e interpretação. O tema central da problemática construtivista é a mutua constituição das estruturas sociais e dos agentes nas RI. Neste sentido as identidades e os interesses dos atores influenciam o comportamento e o resultado das ações dos demais atores, que não estão condicionadas somente pela estrutura (neorrealismo) ou pelos processos e instituições (neoliberalismo). O construtivismo traz para o debate de RIs o papel das ideias, do pensamento e dos valores, alertando sobre a conscientização humana em questões internacionais. A comunidade epistêmica, traduzida como um grupo de “profissionais habilitados”, seria capaz de propor novas alternativas a realidade social das relações internacionais, num sentido de maior justiça.
____Nota-se, que todas as teorias “dissidentes” possuem claramente o elemento crítico em suas análises, desde abordagens mais radicais (pós-modernismo) aos questionamentos mais moderados (construtivismo). Além da crítica, as teorias/escolas procuram dialogar e importar de outras disciplinas conceitos e métodos que agreguem conhecimento no debate das relações internacionais. Por possuírem temáticas distintas e muitas vezes específicas, a comparação de conteúdo se torna tarefa complicada. No entanto, acredito que alguns pontos importantes, como as ligações com outras disciplinas, os conteúdos explicativos e normativos foram analisados.
____A teoria crítica inicia sua trajetória nas relações internacionais na década de 80, tendo como principais expositores Ashley, Cox e Linklater. Essa perspectiva teórica procura estudar as mudanças estruturais do sistema internacionais – formação, manutenção e transformação. Ao estudar as mudanças da ordem mundial, Cox utiliza em sua proposta explicativa o materialismo histórico e alguns elementos do realismo antecedente a Morgenthau. Encontramos em seus trabalhos fortes críticas às “teorias tradicionais”, as quais são rotuladas como problem-solving. O autor nos alerta sobre a ligação entre conhecimento e política, uma vez que não há separação entre o sujeito e o objeto de estudo, “todo conhecimento é feito para alguém e para algum propósito”. Neste caso, o conhecimento gerado pelas teorias problem-solving carregam interesses e convicções que impossibilitam o surgimento de uma ordem social mais justa.
____A teoria crítica não procura apenas explicar ou descrever a sociedade, mas sim transforma-la. Ao colocar em cheque as estruturas do sistema internacional e sua relação com a comunidade política, a teoria crítica encontra nas exposições de Linklater argumentos de caráter cosmopolita que melhor promoverão liberdade, justiça e igualdade. Neste caso, a teoria critica normativa de Linklater não tem como proposito principal a explicação dos fenômenos (causa e efeito), mas sim avaliá-los desde o ponto de vista ético. A proposta da teoria crítica nos faz repensar as fundações normativas da política mundial. Além de incitar o debate sobre um mundo passível de construção, nos abre a possibilidade da “mudança” ser de acordo com os interesses de uma futura comunidade comunicativa universal.
____Maior desconfiança perante os interesses das teorias tradicionais são levantadas pelos acadêmicos pós-modernos. O pós-modernismo é um pensamento oposto ao projeto de modernidade e possui influencia de outras disciplinas como a linguística e a genealogia. Acadêmicos adeptos a este pensamento negam a possibilidade de conhecer o mundo e teorizar sobre ele, e desconfiam dos esforços “tradicionais” em encontrar verdades universais. Com esta postura anticientífica, o pós-modernismo procura nas análises de textos, discursos e narrativas a possibilidade de aproximação com o mundo. Os próprios autores deste pensamento não admitem a probabilidade de produzir conhecimento verdadeiro, não seguem critérios de demarcação ou metodologia rigorosa, e nem primam pela qualidade de suas fontes, o que coloca em cheque suas capacidades em propor explicações substantivas. A proposta normativa do pós-modernismo se concentra na valorização da diferença e no reconhecimento e dos outros tipos de saberes. No entanto, ao aplicarem o método de desconstrução sobre determinado significado, não procuram desenvolver uma agenda normativa clara sobre o futuro, ou de como seria este mundo pós-moderno. Observamos assim, que estes autores desconstroem muito e constroem (procuram construir) pouco.
____Podemos encontrar melhor consistência explicativa e normativa nas teorias de gênero sobre as relações internacionais, sendo que o maior destaque se dá aos trabalhos feministas. O feminismo é um projeto politico que visa eliminar as situações de exploração, opressão e desigualdade que imperam em nossa sociedade patriarcal. Por ser um projeto político, está carregado de elementos normativos, aproximando-se desta maneira de perspectivas liberais, socialistas/marxistas, ou radicais. Neste sentido, os autores procuram em seus argumentos normativos a superação das limitações impostas pelo uso do positivismo. Para deixar claro, o feminismo também apresenta pluralidade em sua concepção epistemológica, partindo de estudos mais empíricos até os que se aproximam das percepções do pós-modernismo. As diferentes perspectivas destacadas procuram desenvolver uma agenda complementar, fortalecendo a proposta explicativa do feminista para as relações internacionais.
____Diferente do feminismo, a sociologia histórica é mais moderada na composição de suas críticas ao positivismo. Por um lado, encontramos a escola de Wallerstein (sistema-mundo) que propõe criticas assertivas sobre o positivismo, por outro lado nos deparamos com a sociologia histórica “neo-weberiana”, muito mais científica e “positiva”. De qualquer maneira, a sociologia histórica analisa de maneira crítica alguns períodos específicos da história, sendo que suas principais contribuições partem dos estudos sobre a formação do Estado-nação e o sistema de Estados em que se organizam as relações internacionais. Além da análise histórica e sociológica, os autores que trabalham sobre esta perspectiva utilizam-se das disciplinas de economia, antropologia, ciência política, entre outras. A proposta explicativa da sociologia histórica não procura renunciar os métodos científicos, pelo contrário, seus estudos estabelecem os mecanismos de causa e efeito que determinam a simbiose entre o Estado-nação e o capitalismo, entre o sistema político e o sistema econômico. Sobre a dimensão normativa, a teoria procura destacar as desigualdades existentes através da hierarquia, na ótica da separação centro-periferia. Os autores que expõem esta abordagem destacam um otimismo perante a possibilidade de mudanças do sistema internacional, porém não procuram estabelecer uma proposta normativa muito menos prever se a suposta mudança é no sentido de maior justiça ou maior desigualdade.
____O estudo das estruturas do sistema internacional também possuem adeptos no construtivismo. Seguindo o mesmo conteúdo interdisciplinar e com influencias da sociologia e da história, o construtivismo é um programa de investigação constituído sobre as carências percebidas nas “teorias tradicionais”. O construtivismo não é uma teoria, e também não apresenta um programa de pesquisa homogêneo, pois seus autores bebem de fontes diferentes, desde abordagens mais racionalistas até as premissas da hermenêutica interpretativa, e por vezes combinando explicação e interpretação. O tema central da problemática construtivista é a mutua constituição das estruturas sociais e dos agentes nas RI. Neste sentido as identidades e os interesses dos atores influenciam o comportamento e o resultado das ações dos demais atores, que não estão condicionadas somente pela estrutura (neorrealismo) ou pelos processos e instituições (neoliberalismo). O construtivismo traz para o debate de RIs o papel das ideias, do pensamento e dos valores, alertando sobre a conscientização humana em questões internacionais. A comunidade epistêmica, traduzida como um grupo de “profissionais habilitados”, seria capaz de propor novas alternativas a realidade social das relações internacionais, num sentido de maior justiça.
____Nota-se, que todas as teorias “dissidentes” possuem claramente o elemento crítico em suas análises, desde abordagens mais radicais (pós-modernismo) aos questionamentos mais moderados (construtivismo). Além da crítica, as teorias/escolas procuram dialogar e importar de outras disciplinas conceitos e métodos que agreguem conhecimento no debate das relações internacionais. Por possuírem temáticas distintas e muitas vezes específicas, a comparação de conteúdo se torna tarefa complicada. No entanto, acredito que alguns pontos importantes, como as ligações com outras disciplinas, os conteúdos explicativos e normativos foram analisados.
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
As relações internacionais sobre o olhar das teorias “dissidentes”: questionamentos epistemológicos
_____O campo de estudos das relações internacionais é altamente dinâmico, sendo que o próprio objeto de estudo está em constantemente transformação, e alias, não há consenso entre os acadêmicos nem sobre qual é o objeto de estudo das relações internacionais. Se o consenso não existe sobre o objeto de estudo, é claro que o mesmo não se faz presente na epistemologia e metodologia deste campo interdisciplinar. Neste sentido, a palavra que melhor caracteriza as relações internacionais é a diversidade, tanto em termos de concepção quanto de construção teórica.
_____Com tantas abordagens, escolas e teorias diferentes nas relações internacionais, seria um “crime” contra seus autores tentar classifica-las de maneira rigorosa. Por outro lado, por questões organizacionais e didáticas, se faz necessário certa divisão. Sendo assim, podemos efetuar uma distinção entre: “teorias tradicionais” (hegemônicas) e “teorias dissidentes”. Esses dois “blocos teóricos” não representam homogeneidade, mas sim, alguns elementos teóricos similares. Desta maneira, tomaremos o cuidado de não “calar” os diferentes discursos apresentados entre as teorias que se situam em cada um destes “blocos teóricos”. Feito tal divisão, e informados sobre os riscos da mesma, podemos dizer que as teorias mainstream (Realismo, Liberalismo, e suas vertentes) são do bloco das “tradicionais”, já a teoria crítica, teorias de gênero, sociologia histórica e os pós-modernos fazem parte das “teorias dissidentes”. Algumas perspectivas singulares, como o caso do construtivismo e da Escola inglesa, não se faz possível aplicar tal divisão, já que suas agendas de pesquisa perpassam a divisão anterior.
_____Focamos agora nossa análise sobre as “teorias dissidentes” e suas similaridades. O elemento mais comum entre estas teorias é a negação as “teorias tradicionais”, em especial ao neorrealismo. Esta negação é de suma importância, pois não rejeita somente a metodologia adotada pelas “teorias tradicionais”, mas sim a epistemologia – a maneira de compreender, decifrar, e explicar o mundo. Neste sentido, o elemento comum entre os “dissidentes” se torna a crítica ao racionalismo ocidental (positivismo-empirismo), que pode ser melhor apresentada a seguir: (1°) questiona-se a possibilidade de formular verdades objetivas e empiricamente falseáveis sobre o mundo social; (2°) seria o conhecimento fundamentado em bases reais? – esta dúvida é constante entre os pós-modernistas; (3°) até que ponto a ciência é neutra, se é que a neutralidade existe. Essa crítica ao racionalismo fez com que tais questionamentos apresentados pelas “teorias dissidentes” fossem rotulados como “reflexivistas” por Robert Keohane.
_____Novamente chamo a atenção ao grau de “reflexivismo” presente em cada “teoria dissidente”, o qual não representa a homogeneidade do todo. Há teorias que buscam maior ruptura com a epistemologia racionalista ocidental, como é o caso do pós-modernismo, já outras teorias como o construtivismo, possuem algumas correntes que procuram o dialogo e a construção de “pontes” entre as teorias “tradicionais”. Em maior ou menor grau, o “reflexivismo” está presente na teoria crítica, no feminismo, no pós-modernismo, na sociologia histórica e em algumas correntes do construtivismo.
_____Além da crítica comum ao racionalismo ocidental – e que ao mesmo tempo é a grande diferença perante as teorias tradicionais, as teorias “dissidentes” apresentam outras similaridades: (1) a metodologia utilizada é baseada em interpretações históricas e textuais – além de uma notável interdisciplinaridade; (2) as teorias possuem uma proposta normativa presente – que será tratado mais adiante; (3) os fenômenos das relações internacionais são socialmente construídos, portanto, passiveis de transformação; (4) as “teorias dissidentes” fornecem espaço para assuntos “marginalizados” pelas teorias tradicionais; (5) questionam a hegemonia do realismo nas relações internacionais; (6) e apontam os limites epistemológicos e éticos das teorias tradicionais.
_____Feita esta análise, fica claro que os elementos comuns ressaltados entre as “teorias dissidentes” são em grande parte críticas as “teorias tradicionais”. Essas críticas se fazem mais presentes após as mudanças estruturais do sistema internacional nas décadas de 1980 e 1990, em especial o final da guerra fria. Este período de crises e transformações permitiu maior abertura a discussões de assuntos até então marginalizados pelas teorias hegemônicas ou tradados como low politics. Como exemplo, podemos citar os estudos sobre movimentos de migração, o papel do gênero nas relações internacionais, meio ambiente e desastres naturais, sociedade civil global e representatividade, entre outros. Estes assuntos começaram a ser debatidos com maior seriedade e repercussão, atraindo cada vez mais os acadêmicos da área de relações internacionais. Essa “onda” crítica também é sentida no Brasil, pois é neste mesmo período de abertura democrática (final dos anos 80) que se iniciam maiores debates sobre a representatividade da sociedade civil nas decisões de política externa, aflorando com intensidade a discussão politica externa versus política pública.
_____Com tantas abordagens, escolas e teorias diferentes nas relações internacionais, seria um “crime” contra seus autores tentar classifica-las de maneira rigorosa. Por outro lado, por questões organizacionais e didáticas, se faz necessário certa divisão. Sendo assim, podemos efetuar uma distinção entre: “teorias tradicionais” (hegemônicas) e “teorias dissidentes”. Esses dois “blocos teóricos” não representam homogeneidade, mas sim, alguns elementos teóricos similares. Desta maneira, tomaremos o cuidado de não “calar” os diferentes discursos apresentados entre as teorias que se situam em cada um destes “blocos teóricos”. Feito tal divisão, e informados sobre os riscos da mesma, podemos dizer que as teorias mainstream (Realismo, Liberalismo, e suas vertentes) são do bloco das “tradicionais”, já a teoria crítica, teorias de gênero, sociologia histórica e os pós-modernos fazem parte das “teorias dissidentes”. Algumas perspectivas singulares, como o caso do construtivismo e da Escola inglesa, não se faz possível aplicar tal divisão, já que suas agendas de pesquisa perpassam a divisão anterior.
_____Focamos agora nossa análise sobre as “teorias dissidentes” e suas similaridades. O elemento mais comum entre estas teorias é a negação as “teorias tradicionais”, em especial ao neorrealismo. Esta negação é de suma importância, pois não rejeita somente a metodologia adotada pelas “teorias tradicionais”, mas sim a epistemologia – a maneira de compreender, decifrar, e explicar o mundo. Neste sentido, o elemento comum entre os “dissidentes” se torna a crítica ao racionalismo ocidental (positivismo-empirismo), que pode ser melhor apresentada a seguir: (1°) questiona-se a possibilidade de formular verdades objetivas e empiricamente falseáveis sobre o mundo social; (2°) seria o conhecimento fundamentado em bases reais? – esta dúvida é constante entre os pós-modernistas; (3°) até que ponto a ciência é neutra, se é que a neutralidade existe. Essa crítica ao racionalismo fez com que tais questionamentos apresentados pelas “teorias dissidentes” fossem rotulados como “reflexivistas” por Robert Keohane.
_____Novamente chamo a atenção ao grau de “reflexivismo” presente em cada “teoria dissidente”, o qual não representa a homogeneidade do todo. Há teorias que buscam maior ruptura com a epistemologia racionalista ocidental, como é o caso do pós-modernismo, já outras teorias como o construtivismo, possuem algumas correntes que procuram o dialogo e a construção de “pontes” entre as teorias “tradicionais”. Em maior ou menor grau, o “reflexivismo” está presente na teoria crítica, no feminismo, no pós-modernismo, na sociologia histórica e em algumas correntes do construtivismo.
_____Além da crítica comum ao racionalismo ocidental – e que ao mesmo tempo é a grande diferença perante as teorias tradicionais, as teorias “dissidentes” apresentam outras similaridades: (1) a metodologia utilizada é baseada em interpretações históricas e textuais – além de uma notável interdisciplinaridade; (2) as teorias possuem uma proposta normativa presente – que será tratado mais adiante; (3) os fenômenos das relações internacionais são socialmente construídos, portanto, passiveis de transformação; (4) as “teorias dissidentes” fornecem espaço para assuntos “marginalizados” pelas teorias tradicionais; (5) questionam a hegemonia do realismo nas relações internacionais; (6) e apontam os limites epistemológicos e éticos das teorias tradicionais.
_____Feita esta análise, fica claro que os elementos comuns ressaltados entre as “teorias dissidentes” são em grande parte críticas as “teorias tradicionais”. Essas críticas se fazem mais presentes após as mudanças estruturais do sistema internacional nas décadas de 1980 e 1990, em especial o final da guerra fria. Este período de crises e transformações permitiu maior abertura a discussões de assuntos até então marginalizados pelas teorias hegemônicas ou tradados como low politics. Como exemplo, podemos citar os estudos sobre movimentos de migração, o papel do gênero nas relações internacionais, meio ambiente e desastres naturais, sociedade civil global e representatividade, entre outros. Estes assuntos começaram a ser debatidos com maior seriedade e repercussão, atraindo cada vez mais os acadêmicos da área de relações internacionais. Essa “onda” crítica também é sentida no Brasil, pois é neste mesmo período de abertura democrática (final dos anos 80) que se iniciam maiores debates sobre a representatividade da sociedade civil nas decisões de política externa, aflorando com intensidade a discussão politica externa versus política pública.
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
O “RETORNO” DA DIMENSÃO NORMATIVA NA TEORIA POLÍTICA.
____Até a ascensão da sociologia no século XIX, todos os trabalhos importantes sobre teoria política procuravam proclamar elementos normativos e empíricos. No entanto, no início do século XX, com a “onda” positivista e a consideração de possíveis leis aplicáveis as ciências sociais, a teoria normativa e a pesquisa empírica se tornaram diferentes ramos das ciências sociais. É exatamente essa dicotomia que procuraremos criticar, uma vez que, a pesquisa empírica pode ser guiada pela teoria normativa, assim como, a teoria normativa pode ser melhorada através das constatações empíricas.
____Mas o que é teoria política normativa? Bauböck (2008) conceitua teoria política normativa como uma disciplina acadêmica que usa modelos específicos de argumentos no sentido de direcionar-se a uma específica questão, variando desde os estilos narrativos as técnicas oriundas da filosofia analítica. A questão comum levantada por esta disciplina é que os discursos prescritivos e valorativos são elencados como um arranjo de proposições, que além de serem consistentes internamente, devem ser defendidos contra abordagens opositoras. As preocupações da teoria política normativa tem sido sobre: (1) o bem comum realizado através da comunidade política; (2) a legitimidade da autoridade política; (3) os direitos e liberdades daqueles vivendo sobre esta autoridade; (4) a natureza e as forças de ligação entre as obrigações políticas.
____Como disse, o século XX foi marcado nas ciências sociais pela onda behaviorista, a qual preparou o terreno para o desenvolvimento dos estudos empíricos, buscando explicar os fatos sociais e políticos sem o julgamento de valores. Neste sentido, teoria normativa foi retratada como algo do passado, a ser estudada pela história das ideias. Essa visão foi defendida pelos racionalistas críticos, amparados pelos escritos de Karl Popper, os quais delimitavam que o critério de demarcação da ciência estaria na possibilidade de construir hipóteses (teorias) falseáveis. A dicotomia fatos/valores também é abordada com precisão a seguir:
“Normative theorizing must deal in facts just as empirical work must deal in values; they do not inhabit different worlds. The selection of a topic in empirical political science presumes a judgment of moral importance. (Therefore) Good social science must integrate both elements; it must be empirically grounded, and it must be relevant to human concerns.” (GERRING, YESNOWITZ, 2006, 108-110p)
____Apesar da velocidade em que o positivismo provocou mudanças na academia norte-americana, isso não determinou o fim dos estudos de teoria política normativa, apenas seu enfraquecimento. O retorno da disciplina nas ciências sociais, de facto, é reflexo dos estudos de John Rawls, em especial no livro Theory of Justice (1971). Sua obra orientou a teoria política normativa em sua contínua tarefa de criticar ou justificar instituições nas sociedades liberais democráticas, além de provocar o spillover effect do debate para as demais disciplinas, em especial a economia.
____Na década de 1990, “pontes” foram construídas por alguns teóricos políticos sobre a lacuna existente entre a disciplina normativa e a pesquisa empírica, o que veio a ser chamado de teoria normativa aplicada. Este novo enfoque institucionalista – o qual presava por maior atenção as variações contextuais – destacou quatro temas proeminentes: (1) teoria não-ideal, a qual propõe a alternância entre as abordagens idealistas e realistas; (2) justiça global, onde o liberalismo requer que a preocupação e o respeito sejam estendidos em nível global; (3) sociedade fechadas, livre circulação de pessoas como meio para nivelar a qualidade de vida, ou redução das discrepâncias na própria nação como condição para a livre circulação; (4) autodeterminação e direito das minorias, debate regido por libertários, liberais igualitaristas, e liberais nacionalistas. Um quinto tema pode ser incorporado através do artigo de Martineau e Squires (2012), o qual proporciona um debate sobre a relação entre teoria política normativa e os estudos empíricos nas pesquisas feministas, questionando até que ponto seria possível estabelecer uma ponte entre os mesmos, ou seria necessário um método crítico alternativo a estas duas abordagens.
____A virada contextual e institucionalista da teoria normativa apresentada acima têm elevado o interesse daqueles que trabalham na área em utilizar as abordagens comparativas e históricas em seus estudos de ciência política. Ainda que alguns estudiosos possuam receio de que, ao importar questões normativas aos seus trabalhos os mesmos percam a corroboração científica, Bauböck (2008), ressalta que esta é uma tarefa inevitável, uma vez que, as questões normativas afetam as ciências sociais em três maneiras diferentes: (1) toda pesquisa científica confronta-se com questões éticas; (2) o objeto de pesquisa não pode ser isolado clinicamente – o pesquisador está envolvido numa relação social com o fenômeno pesquisado; (3) a legitimidade do poder político e da autoridade são o conteúdo de investigação e não apenas o contexto da pesquisa social.
____Neste sentido, qualquer tentativa de purificar as ciências sociais de suas atribuições normativas é uma tentativa equivocada. Tanto a ciência social problem-driven e a teoria normativa estabelecem contribuições importantes para o discurso político, a primeira promove explicações teóricas e conhecimento empírico, a segunda clarifica os argumentos e princípios envolvidos. Sendo assim, os cientistas sociais possuem um reconhecido poder de influencia, o qual deveria ser utilizado para estimular o debate na sociedade civil, e não servir somente de feedback as elites no poder, e se os servissem que o fizessem em público, pois transparência é um dos pilares de uma democracia.
Referências:
___BAUBOCK, R. (2008) ‘Normative Political Theory and Empirical Research’, in D. Della Porta and M. Keating (eds), Approaches and Methodologies in the Social Sciences:A Pluralist Perspective. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 40–60.
___GERRING, John; YESNOWITZ, Joshua. A Normative Turn in Political Science? 2006. Northeastern Political Science Association.Volume 38, Number 1. Boston University
___MARTENEAU, Wendy; SQUIRES, Judith. Addressing the ‘Dismal Disconnection’: Normative Theory, Empirical Inquiry and Dialogic Researchpost. Political Studies. 2012. University of Bristol
____Mas o que é teoria política normativa? Bauböck (2008) conceitua teoria política normativa como uma disciplina acadêmica que usa modelos específicos de argumentos no sentido de direcionar-se a uma específica questão, variando desde os estilos narrativos as técnicas oriundas da filosofia analítica. A questão comum levantada por esta disciplina é que os discursos prescritivos e valorativos são elencados como um arranjo de proposições, que além de serem consistentes internamente, devem ser defendidos contra abordagens opositoras. As preocupações da teoria política normativa tem sido sobre: (1) o bem comum realizado através da comunidade política; (2) a legitimidade da autoridade política; (3) os direitos e liberdades daqueles vivendo sobre esta autoridade; (4) a natureza e as forças de ligação entre as obrigações políticas.
____Como disse, o século XX foi marcado nas ciências sociais pela onda behaviorista, a qual preparou o terreno para o desenvolvimento dos estudos empíricos, buscando explicar os fatos sociais e políticos sem o julgamento de valores. Neste sentido, teoria normativa foi retratada como algo do passado, a ser estudada pela história das ideias. Essa visão foi defendida pelos racionalistas críticos, amparados pelos escritos de Karl Popper, os quais delimitavam que o critério de demarcação da ciência estaria na possibilidade de construir hipóteses (teorias) falseáveis. A dicotomia fatos/valores também é abordada com precisão a seguir:
“Normative theorizing must deal in facts just as empirical work must deal in values; they do not inhabit different worlds. The selection of a topic in empirical political science presumes a judgment of moral importance. (Therefore) Good social science must integrate both elements; it must be empirically grounded, and it must be relevant to human concerns.” (GERRING, YESNOWITZ, 2006, 108-110p)
____Apesar da velocidade em que o positivismo provocou mudanças na academia norte-americana, isso não determinou o fim dos estudos de teoria política normativa, apenas seu enfraquecimento. O retorno da disciplina nas ciências sociais, de facto, é reflexo dos estudos de John Rawls, em especial no livro Theory of Justice (1971). Sua obra orientou a teoria política normativa em sua contínua tarefa de criticar ou justificar instituições nas sociedades liberais democráticas, além de provocar o spillover effect do debate para as demais disciplinas, em especial a economia.
____Na década de 1990, “pontes” foram construídas por alguns teóricos políticos sobre a lacuna existente entre a disciplina normativa e a pesquisa empírica, o que veio a ser chamado de teoria normativa aplicada. Este novo enfoque institucionalista – o qual presava por maior atenção as variações contextuais – destacou quatro temas proeminentes: (1) teoria não-ideal, a qual propõe a alternância entre as abordagens idealistas e realistas; (2) justiça global, onde o liberalismo requer que a preocupação e o respeito sejam estendidos em nível global; (3) sociedade fechadas, livre circulação de pessoas como meio para nivelar a qualidade de vida, ou redução das discrepâncias na própria nação como condição para a livre circulação; (4) autodeterminação e direito das minorias, debate regido por libertários, liberais igualitaristas, e liberais nacionalistas. Um quinto tema pode ser incorporado através do artigo de Martineau e Squires (2012), o qual proporciona um debate sobre a relação entre teoria política normativa e os estudos empíricos nas pesquisas feministas, questionando até que ponto seria possível estabelecer uma ponte entre os mesmos, ou seria necessário um método crítico alternativo a estas duas abordagens.
____A virada contextual e institucionalista da teoria normativa apresentada acima têm elevado o interesse daqueles que trabalham na área em utilizar as abordagens comparativas e históricas em seus estudos de ciência política. Ainda que alguns estudiosos possuam receio de que, ao importar questões normativas aos seus trabalhos os mesmos percam a corroboração científica, Bauböck (2008), ressalta que esta é uma tarefa inevitável, uma vez que, as questões normativas afetam as ciências sociais em três maneiras diferentes: (1) toda pesquisa científica confronta-se com questões éticas; (2) o objeto de pesquisa não pode ser isolado clinicamente – o pesquisador está envolvido numa relação social com o fenômeno pesquisado; (3) a legitimidade do poder político e da autoridade são o conteúdo de investigação e não apenas o contexto da pesquisa social.
____Neste sentido, qualquer tentativa de purificar as ciências sociais de suas atribuições normativas é uma tentativa equivocada. Tanto a ciência social problem-driven e a teoria normativa estabelecem contribuições importantes para o discurso político, a primeira promove explicações teóricas e conhecimento empírico, a segunda clarifica os argumentos e princípios envolvidos. Sendo assim, os cientistas sociais possuem um reconhecido poder de influencia, o qual deveria ser utilizado para estimular o debate na sociedade civil, e não servir somente de feedback as elites no poder, e se os servissem que o fizessem em público, pois transparência é um dos pilares de uma democracia.
Referências:
___BAUBOCK, R. (2008) ‘Normative Political Theory and Empirical Research’, in D. Della Porta and M. Keating (eds), Approaches and Methodologies in the Social Sciences:A Pluralist Perspective. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 40–60.
___GERRING, John; YESNOWITZ, Joshua. A Normative Turn in Political Science? 2006. Northeastern Political Science Association.Volume 38, Number 1. Boston University
___MARTENEAU, Wendy; SQUIRES, Judith. Addressing the ‘Dismal Disconnection’: Normative Theory, Empirical Inquiry and Dialogic Researchpost. Political Studies. 2012. University of Bristol
sexta-feira, 27 de julho de 2012
Contribuições da Sociologia Histórica para as Relações Internacionais
____Podemos destacar algumas contribuições da sociologia histórica para as relações internacionais através das exposições de Wallerstein (1996). Em seu artigo The inter-state structure of the modern world-system, o autor procura descrever os condicionantes da estrutura inter-estatal do sistema-mundial moderno. Para tanto, é importante iniciarmos com algumas perguntas simples: o que é a estrutura inter-estatal? O que é um sistema-mundo? Como é construído e como se transforma (evolui/extingue)? Procurando ser objetivo, podemos dizer que a estrutura inter-estatal é uma instituição ou plano de análises que na soma das demais instituições constituem o sistema-mundo. Já este último, é um sistema histórico governado por uma lógica singular, ou seja, um arranjo de regras onde as pessoas e grupos conflitam seus interesses entre si e de acordo com seus valores.
____A última pergunta nos remete a uma explicação mais detalhada. Vivemos em um sistema-mundo capitalista, socialmente estruturado pela divisão do trabalho e pelo acumulo do capital. Para Wallerstein, o sistema econômico de acumulação do modelo capitalista é compatível a uma corrente que une diferentes operações. Sendo que, alguns de seus elos contem operações mais lucrativas e que tendem a estar em áreas menores (centro), outros elos menos rentáveis se encontram mais dispersos geograficamente (periferia). Neste sentido, o acumulo de capital, o qual não possui fronteiras, requer um mercado parcialmente livre, o que só é garantido pela estrutura política e burocrática do Estado. Além dos fatores econômicos, o autor aborda três outras “ferramentas” utilizadas pelo sistema capitalista no sentido de impedir transformações (democratização): (1) a invenção das ideologias; (2) o triunfo do cientificismo; e (3) a contenção dos movimentos anti-sistema.
____Como visto acima, o sistema inter-Estado é essencial para manutenção do sistema-mundo capitalista, o mesmo é governado por um longo processo cíclico, denominado ciclo hegemônico. Neste sentido, a situação ideal para a acumulação de capital para o sistema é a existência de uma potencia hegemônica, forte o suficiente para determinar regras, seja pelo consenso ou pela força. Para Wallerstein, o principal meio de um Estado atingir este status é através da eficiência produtiva, a qual proporcionará eficiência comercial e financeira. Mesmo assim, o autor alerta que chegará uma hora em que a liderança desta potência não será mais automática, a persuasão se tornará difícil e a eficiência produtiva será menor que a dos rivais. Em sua análise, as condições atuais do sistema internacional, não permitirão a ascensão de uma nova potência, o que faz Wallerstein presumir que este sistema-mundo está chegando ao fim, e que outro(s) emergirá.
____Outro autor a contribuir para as relações internacionais, e especificamente sobre a formação inicial do Estado europeus é Tilly (1985). Em seu artigo War Making and State Making as Organized Crime, o autor faz uma analogia do Estado como uma organização criminosa, o qual atribui dois significados a palavra “proteção”, proporcionada pelo Estado: abrigo contra perigos; e cobrador de tributos para evitar “danos” de uma suposta ameaça (interna ou externa). Neste sentido, a guerra (em interação com a acumulação do capital) cria o Estado, e este último possui a legitimidade do monopólio da violência. A partir do momento em que um governante (power holder) possui este monopólio, dentro de um território particular, o mesmo utiliza-se da extorsão para vender “proteção”, esta suposta venda financia novas investidas em outras guerras e territórios. Tilly utiliza a história como corroboração científica, trazendo casos específicos dos Estados europeus em sua formação inicial para defender seus argumentos. Para o autor, os agentes do Estado exercem quatro atividades diferentes e que são interdependentes: (1) war making; (2) state making; (3) proteção; e (4) extração. Sendo assim, Tilly descreve que a guerra virou uma condição normal das RI, sendo que é o meio normal para defender ou ganhar posições no sistema de Estados.
____Feita sua contribuição sobre a formação dos Estados europeus, Tilly (1996) em seu livro Coerção, capital e estados europeus, procura estabelecer algumas premissas sobre a formação dos Estados do Terceiro Mundo. Neste sentido, muitos dos novos Estados nacionais se constituíram por fatores externos: construíram suas instituições de governo sobre influencia de outra potência; dependem que instituições internacionais como a ONU confirmem e conservem a sua participação como membro do sistema internacional; além de possuírem ausência de consenso ou suporte por parte dos cidadãos. Este último quesito para o autor torna o Estado mais favorável a tomadas violentas de poder e mudanças rápidas de governo. Seguindo este pensamento, Tilly faz uma tentativa de colocar a militarização contemporânea sobre uma perspectiva histórica, abordando os impactos da segunda guerra mundial no Terceiro Mundo.
____Contando com o legado de armamento deixado pelas potências colonizadoras ao final da segunda guerra mundial, estes novos Estados não possuíam mais ameaças externas (em sua maioria), e sim instituições frágeis de poder governamental disputadas por diferentes grupos (etnias, classes, etc). Neste sentido, o autor chama atenção de que, a tentativa de matar populações inteiras deixou de ser algo anormal e tornou-se algo rotineiro das décadas pós-guerra. Assim que os regimes parlamentares e democráticos “fracassassem” o exercito de tradição ocidental estava apto a desempenhar o papel de polícia – a chamada especialização do controle interno – em uma relação de causa e efeito: quando os militares chegam ao poder, os direitos humanos e civis caem. Apesar de suas observações pessimistas (reais) sobre a militarização do Terceiro Mundo, Tilly expõe que a confrontação e intervenção da grande potência em forças militares nacionais proporciona um maior controle civil do Estado.
Referências:
TILLY, Charles. “War Making and State Making as Organized Crime”, in: Evans, Peter, Rueschemeyer, Dietrich e Skocpol, Theda, Bringing the State Back In. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, PP. 169-187.
TILLY, Charles. Coerção, capital e estados europeus. São Paulo, Edusp, 1996, PP. 273-316.
WALLERSTEIN, Immanuel. “The inter-state structure of the modern world-system”, in: Smith, Steve, :Booth, Ken e Zalewski, Marysia (eds.), International theory: positivism and beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, pp. 87-107.
____A última pergunta nos remete a uma explicação mais detalhada. Vivemos em um sistema-mundo capitalista, socialmente estruturado pela divisão do trabalho e pelo acumulo do capital. Para Wallerstein, o sistema econômico de acumulação do modelo capitalista é compatível a uma corrente que une diferentes operações. Sendo que, alguns de seus elos contem operações mais lucrativas e que tendem a estar em áreas menores (centro), outros elos menos rentáveis se encontram mais dispersos geograficamente (periferia). Neste sentido, o acumulo de capital, o qual não possui fronteiras, requer um mercado parcialmente livre, o que só é garantido pela estrutura política e burocrática do Estado. Além dos fatores econômicos, o autor aborda três outras “ferramentas” utilizadas pelo sistema capitalista no sentido de impedir transformações (democratização): (1) a invenção das ideologias; (2) o triunfo do cientificismo; e (3) a contenção dos movimentos anti-sistema.
____Como visto acima, o sistema inter-Estado é essencial para manutenção do sistema-mundo capitalista, o mesmo é governado por um longo processo cíclico, denominado ciclo hegemônico. Neste sentido, a situação ideal para a acumulação de capital para o sistema é a existência de uma potencia hegemônica, forte o suficiente para determinar regras, seja pelo consenso ou pela força. Para Wallerstein, o principal meio de um Estado atingir este status é através da eficiência produtiva, a qual proporcionará eficiência comercial e financeira. Mesmo assim, o autor alerta que chegará uma hora em que a liderança desta potência não será mais automática, a persuasão se tornará difícil e a eficiência produtiva será menor que a dos rivais. Em sua análise, as condições atuais do sistema internacional, não permitirão a ascensão de uma nova potência, o que faz Wallerstein presumir que este sistema-mundo está chegando ao fim, e que outro(s) emergirá.
____Outro autor a contribuir para as relações internacionais, e especificamente sobre a formação inicial do Estado europeus é Tilly (1985). Em seu artigo War Making and State Making as Organized Crime, o autor faz uma analogia do Estado como uma organização criminosa, o qual atribui dois significados a palavra “proteção”, proporcionada pelo Estado: abrigo contra perigos; e cobrador de tributos para evitar “danos” de uma suposta ameaça (interna ou externa). Neste sentido, a guerra (em interação com a acumulação do capital) cria o Estado, e este último possui a legitimidade do monopólio da violência. A partir do momento em que um governante (power holder) possui este monopólio, dentro de um território particular, o mesmo utiliza-se da extorsão para vender “proteção”, esta suposta venda financia novas investidas em outras guerras e territórios. Tilly utiliza a história como corroboração científica, trazendo casos específicos dos Estados europeus em sua formação inicial para defender seus argumentos. Para o autor, os agentes do Estado exercem quatro atividades diferentes e que são interdependentes: (1) war making; (2) state making; (3) proteção; e (4) extração. Sendo assim, Tilly descreve que a guerra virou uma condição normal das RI, sendo que é o meio normal para defender ou ganhar posições no sistema de Estados.
____Feita sua contribuição sobre a formação dos Estados europeus, Tilly (1996) em seu livro Coerção, capital e estados europeus, procura estabelecer algumas premissas sobre a formação dos Estados do Terceiro Mundo. Neste sentido, muitos dos novos Estados nacionais se constituíram por fatores externos: construíram suas instituições de governo sobre influencia de outra potência; dependem que instituições internacionais como a ONU confirmem e conservem a sua participação como membro do sistema internacional; além de possuírem ausência de consenso ou suporte por parte dos cidadãos. Este último quesito para o autor torna o Estado mais favorável a tomadas violentas de poder e mudanças rápidas de governo. Seguindo este pensamento, Tilly faz uma tentativa de colocar a militarização contemporânea sobre uma perspectiva histórica, abordando os impactos da segunda guerra mundial no Terceiro Mundo.
____Contando com o legado de armamento deixado pelas potências colonizadoras ao final da segunda guerra mundial, estes novos Estados não possuíam mais ameaças externas (em sua maioria), e sim instituições frágeis de poder governamental disputadas por diferentes grupos (etnias, classes, etc). Neste sentido, o autor chama atenção de que, a tentativa de matar populações inteiras deixou de ser algo anormal e tornou-se algo rotineiro das décadas pós-guerra. Assim que os regimes parlamentares e democráticos “fracassassem” o exercito de tradição ocidental estava apto a desempenhar o papel de polícia – a chamada especialização do controle interno – em uma relação de causa e efeito: quando os militares chegam ao poder, os direitos humanos e civis caem. Apesar de suas observações pessimistas (reais) sobre a militarização do Terceiro Mundo, Tilly expõe que a confrontação e intervenção da grande potência em forças militares nacionais proporciona um maior controle civil do Estado.
Referências:
TILLY, Charles. “War Making and State Making as Organized Crime”, in: Evans, Peter, Rueschemeyer, Dietrich e Skocpol, Theda, Bringing the State Back In. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, PP. 169-187.
TILLY, Charles. Coerção, capital e estados europeus. São Paulo, Edusp, 1996, PP. 273-316.
WALLERSTEIN, Immanuel. “The inter-state structure of the modern world-system”, in: Smith, Steve, :Booth, Ken e Zalewski, Marysia (eds.), International theory: positivism and beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, pp. 87-107.
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